VENTO NAS ÁRVORES

Contos | Manoel R. Leite
Publicado em 03 de Março de 2022 ás 23h 03min

O vento sul chega com mais força, traz consigo uma temperatura mais baixa. Em seu movimento constante, revela que o inverno está presente. Me anima e me faz recordar, esse não é o mesmo inverno que eu conhecia na infância. Uma vez que eu não sou mais criança, e nem mesmo o lugar é o mesmo.

Me ponho a tomar o meu café, vida simples com afazeres de trabalhador. Fico na varanda enquanto espero as crianças se aprontarem para leva-las para a escola, e, em seguida ir trabalhar

— Estão prontas. — Ouço a minha esposa a me avisar.

As crianças falam apressadamente:

— Que frio! Precisamos ir para escolar hoje?

— Frio que nada! É você que não quer ir para a escola, quer ficar dormindo.

— Até parece que você não quer ficar em casa hoje também.

— Vamos lá! — Digo sem dar muita atenção para o falatório.

Me despeço solenemente, e sigo em direção a escola. No caminho noto as pessoas apressadas, sérias e vagamente concentradas. Deixo as crianças na escola e sigo para o meu trabalho.

No escritório o ritmo é calmo é uma quarta-feira de pouco movimento de clientes. As atividades no escritório concentram-se em papéis e internet, muito mais internet.

Noto mudanças de outros invernos. As pessoas mesmo no trabalho conversavam mais, interagiam mais. Agora tirando um breve comentário da temperatura, todos estão distantes e quietos sonoramente. Digo sonoramente, pois seus gestos são acelerados, os dedos sempre em movimento. As conversas ocorrem mais apenas com aqueles que estão a distância.

Hoje não preciso buscar as crianças na escola, o que me possibilitou um tempo maior de almoço. Nesse breve descanso me permitir olhar as árvores novamente. As folhas caem, e o vento mostra o sem poder invisível.

Ó vento primo irmão do tempo que consome a todos sem se perceberem. Olhava insistentemente as árvores e as folhas que caiam. Mas não era o que eu enxergava. Na minha frente eu percebia a força do tempo a levar os dias, meses e anos. Consumindo a todos, ninguém nota uma folha que cai, só se dá conta quando o galho se definha e resta quase nada de sombra.

Também assim é a vida, se olhássemos os anos e os dias passando talvez não assustaríamos tanto.

Volto ao trabalho e no ritmo um pouco mais frenético esqueço minhas divagações. Até penso em conversar com alguém, mas seria inútil. Silencio meus lábios, não os meus pensamentos.

Ao chegar em casa pensei em falar sobre as minhas reflexões. Lutei por instantes, e entendi que não faria sentido.

As palavras muitas vezes não fazem sentido.

Então fiquei a olhar as folhas que eram arrancadas pelo vento.

 

Publicado em

Flor, Dolores (Org.) Antologia de Escritores Contemporâneos:  contos volume 08 Neiva G. Pagno e convidados. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2021

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