Um travesseiro de penas

Contos | 2025 - OUTUBRO - Sussurros da noite: contos e poemas de mistérios | Romeu Donatti
Publicado em 17 de Março de 2025 ás 22h 18min

O abajur solitário na mesinha de cabeceira iluminava parcialmente o quarto. A parca luminosidade deixava perceber o papel de parede florido e amarelado, já puído pelo tempo.

Na penumbra, sentado ao lado da cama, Horácio equilibrava em sua mão direita um copo. Com pequenos intervalos levava-o até a boca e sorvia generosos goles do que parecia ser uísque. O rosto cansado, os olhos profundos e a lassidão denotavam toda a sua aflição, angústia e dor. 

O olhar distante, perdido no tempo e no espaço, ora se voltava à janela, ora à cama.

Sobre a cama os lençóis sóbrios pareciam engolir a figura esquálida que neles repousava. Imóvel, com os braços juntos ao corpo, os olhos estatelados e os escassos cabelos de Miranda ajudavam a compor a atmosfera funesta do ambiente.

Horácio bebia e fitava-a. Incrédulo. Compadecido. Amargurado por ver sua amada naquele estado deplorável. Consternado com aquele destino trágico. Infortúnio!

Tão diferente de outrora! Horácio ainda se recordava das manhãs mornas vividas ao lado de sua doce amada, no verão anterior na costa Amalfitana. Miranda estava exuberante. Fazia planos para o presente e para o futuro. Estava feliz com o novo trabalho e com a possibilidade de retomar os estudos. A celebração de cinco anos de casamento fora a razão da viagem à Itália.

Tudo estava tão perfeito! Felizes, Horácio e Miranda planejavam o aumento da família. Porém, em uma ida ao médico para exames de rotina, a descoberta: Miranda fora diagnosticada com câncer no fígado.

A dor. O medo. A revolta. A esperança. O tratamento. A melhora. A recaída. A desesperança. Um turbilhão de emoções experimentado em pouquíssimo tempo. Miranda era força. Miranda esforçou-se. A doença foi ainda mais forte e a debilitou profundamente. Já não havia mais esperança. Deveria aguardar em casa o passamento, em companhia da dor crônica e do marido inquebrantável.

Assim como o castelo de areia pacientemente erguido em Capri e devorado silenciosamente pelas vagas do Mar Tirreno, em meio a risos e beijos apaixonados, a vida de ambos ruiu após o diagnóstico da doença. Silenciosa e agressiva transformou o jovem casal em moribundas marionetes do destino.

Horácio não suportava ver a esposa naquela condição. Miranda implorava-lhe por um ato de misericórdia. Suplicava-lhe para que suprimisse seu martírio.

Outra vez incrédulo, observou o travesseiro de penas escorregar do rosto de sua doce Miranda. Estava morta, como ela desejava.

Ele também estava morto por dentro, mergulhado em lágrimas e sofrimento.

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