Saudade de um pago longe

Poesias Gaúchas | Dolores Flor
Publicado em 08 de Março de 2025 ás 15h 20min

Aquerenciei minha alma nos campos do meu rincão,
Onde o vento canta milongas e a lua é um candeeiro,
Lá onde o sol se despede num abraço campeiro
E a saudade se esparrama na imensidão do galpão.

 

Saudade é potro chucro, desafiando a razão,
Se enreda nos meus tentos, lasqueando o coração,
Tchê, como dói a distância, esse laço bem apertado,
Que me prende num suspiro ao pago já tão amado.

 

Ainda sinto o perfume do mate novo cevado,
O braseiro aquecendo a alma no inverno bem gelado,
O ronco manso dos bois na madrugada fria,
O canto triste do quero-quero, sentinela e companhia.

 

Lembro das mãos calejadas do meu velho peão,
Que ensinou que a vida é dura, mas nunca sem emoção,
Dos causos contados ao lume de um fogo de chão,
Onde cada palavra era um laço atando o coração.

 

Saudade tem cheiro de terra depois da chuvarada,
Tem gosto de assado gordo, bem feito na encruzilhada,
Tem som de gaita chorona, ressoando ao entardecer,
Tem dor de quem foi embora e nunca mais pode ver.

 

Nos olhos da prenda linda que um dia deixei pra trás,
No brilho de um campo verde que nunca me deixa em paz,
Na poeira da estrada longa, que se perde no horizonte,
Vivo a vida de peão sem ter meu pago de fronte.

 

Mas se Deus me der um tempo antes do fim derradeiro,
Quero voltar pro meu pago, me enterrar no pasto inteiro,
Quero ser pó dessa terra, que me fez guri sonhador,
E ser lembrança nas rezas de algum gaúcho trovador.

 

Pois quem nasce na querência, nunca deixa de ser,
O pago vive na alma, na lida, no bem-querer,
E mesmo que o tempo passe e a vida tome outro rumo,
Saudade de pago longe é um mate que nunca esfumo.

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