Sempre que Helena caminhava pelo sótão da casa antiga, sentia que algo a observava, como se as paredes sussurrassem segredos que não podiam ser revelados. O aroma de poeira e madeira envelhecida misturava-se com o cheiro de algo mais: a sensação de que o passado ainda estava ali, esperando para ser descoberto.

Era um dia nublado, como tantos outros que marcavam a mudança das estações, e ela se viu novamente no sótão da velha casa de sua avó, um lugar onde passava as tardes da infância explorando cada canto, fascinada pelas relíquias de uma vida que não era sua, mas que, de algum modo, lhe pertencia.

A luz do sol entrava timidamente pelas pequenas janelas, iluminando móveis cobertos por lençóis brancos e caixas de madeira antigas. Helena sabia que dentro daquela poeira guardavam-se memórias de um tempo distante, fragmentos de uma história que a ela parecia familiar, mas estranha ao mesmo tempo. Havia algo ali que a atraía, uma força invisível que a conectava com aquilo que ela nunca vivera.

Ela se aproximou de uma das caixas de madeira, seu nome gravado delicadamente na tampa. Com as mãos tremendo levemente, ela a abriu. Dentro, um amontoado de cartas amareladas, fotografias e objetos antigos estavam cuidadosamente organizados, como se alguém, há muito tempo, tivesse querido preservar tudo aquilo para alguém que, de algum modo, fosse entender.

Entre as fotografias, uma em particular chamou sua atenção. Era uma foto em preto e branco de uma mulher com os cabelos presos em um coque apertado, vestindo um vestido de época, sorrindo serenamente. Helena a encarou por um longo tempo. Havia algo nos olhos daquela mulher, algo familiar. O que era? Ela nunca a vira antes, mas sentia uma ligação profunda, como se aquelas feições lhe fossem mais próximas do que imaginava.

Enquanto vasculhava mais itens, um medalhão de ouro caiu de dentro de um velho livro encadernado em couro. Helena o pegou com cuidado, observando-o sob a luz suave que se filtrava pelas janelas. Era uma peça delicada, com uma inscrição no verso, quase apagada pelo tempo. Ela tentou decifrar as palavras, mas algo parecia impedir, como se o significado estivesse fora do alcance da sua compreensão. Contudo, sentiu que aquilo tinha um propósito, que o medalhão havia sido deixado ali para ela.

A cada objeto que Helena descobria, uma sensação de déjà-vu tomava conta dela. Era como se ela já tivesse vivido aquelas histórias em outra vida, em um tempo distante que ela mal conseguia tocar com sua mente. A mulher da foto, o medalhão, as cartas... tudo parecia ter um sentido, uma ligação com algo maior.

Ao abrir uma das cartas, as palavras escritas nela pareciam dançar na frente dos seus olhos, como se o passado e o presente se entrelaçassem. A carta falava de um amor perdido, de promessas não cumpridas e de um destino marcado pela dor e pela separação. Mas o mais curioso de tudo era a assinatura no final: "De sua avó, que sempre te amou."

Helena congelou. A mulher da foto, o medalhão, as palavras da carta… tudo fazia sentido agora. Ela não sabia como, mas estava claro: a mulher da foto era sua avó, em uma época muito anterior, antes de ser a avó que ela conheceu. De alguma forma, ela estava conectada com aquela vida, com aquele amor que nunca teve a chance de viver, mas que, de alguma maneira, transcendeu o tempo.

Ao longo de seus dias no sótão, Helena descobriu mais relíquias, mais pedaços de uma vida que se estendia para além das memórias que ela tivera de sua avó. Cada item encontrado era uma peça de um quebra-cabeça que ela não sabia como montar. Mas, ao final, compreendeu que aquelas relíquias eram, na verdade, as chaves para entender algo profundo sobre ela mesma — uma ligação invisível com um passado que sempre esteve à espera para ser revelado.

Helena nunca soubera se aquelas memórias pertenciam à sua avó ou a uma versão dela mesma, mas, de uma coisa ela tinha certeza: algumas vidas não terminam. Elas se mantêm vivas, guardadas nos lugares mais inesperados, nas relíquias que perduram e nas histórias que, por algum motivo, se tornam parte de quem somos.

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

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