QUIS CUSTODIET IPSOS CUSTODES?

Contos | Manoel R. Leite
Publicado em 06 de Março de 2022 ás 09h 38min

Quinze anos de trabalho prestados, servir e proteger a sociedade. Proteger de um inimigo muitas vezes invisível e na maioria das vezes invencível.

Meu nome é Reinaldo, sou policial civil, vivo para investigar e em muitos casos apenas arquivar. Mas, quando findamos um processo que vai a julgamento entre tantos trâmites quase sempre vejo o sujeito livre fazendo as mesmas coisas. Chego a pensar qual a razão de meu trabalho, que por sinal é muito diferente dos filmes americanos, nos quais cada dupla trabalha semanas, meses em um único caso. Na verdade, todos os dias temos mais casos novos do que horas, e as vezes minutos em um relógio. Então o que fazer? Talvez apenas continuar.

Nessa situação lembro do meu amigo Adalberto, ele era sonhador como todo jovem, como eu já fora um dia. Ele sempre dizia.

— O mais importante é não deixar o crime acontecer, e se acontecer pegar em flagrante. Isso sim é proteger!

— Sim, mas quem irá investigar e desvendar os crimes de uma vez? — dizia eu.

— Não sei. Só sei que ser policial militar protege mais do que civil. E é isso que serei.

Seguimos funções diferentes, e continuamos amigos e posteriormente compadres. Frequentemente tínhamos ocorrências em comum, crimes ou delitos que ambos atuavam investigando, autuando, prendendo ou apenas dando apoio logístico.

Me lembro de uma conversa que tivemos enquanto tomávamos aquela cerveja gelada, que anestesia a alma e revigora o corpo.

— Estou P. dá vida com toda essa situação (dizia Adalberto). Só porque o cara é de menor, ou melhor menor infrator, se não serei processado por preconceito ao assassino de 17 anos que matou o Hermeson. Quando fizer um ano de morte do sargento, o cara já estará livre. É muita sacanagem, e não se pode fazer nada.

— É quando não tem justiça, a vingança impera.

— Você acha que tem como fazer justiça? Se te pega vai ser preso, e condenado a ficar no mesmo pardieiro daqueles que você prendeu.

— Bebe! A sua cerveja antes que esquenta. Esfria a cabeça, se não é você que se quebra.

A minha tranquilidade era falsa, mas necessária, aquela situação também me revoltara. Simplesmente aprendi desde cedo que não se acende um cigarro ao lado de um barril de pólvora.

Aquela conversa tem quatro anos, é vívida, hoje ainda mais.

Não sei o que fazer com a revolta, vejo os amigos de farda, de copo e familiares ao redor do caixão do Adalberto. Morto em cumprimento do dever, por um cara de 16 anos que logo estará solto, não sei o que fazer, nem sei se tem o que fazer. A pergunta que me comanda nesse momento é a dúvida que sempre esteve presente de maneira camuflada. Só que hoje é um grito desesperado, revoltado e acima de tudo agonizante:

— QUIS CUSTODIET IPSOS CUSTODES?

— QUEM GUARDA OS GUARDIÕES?

 

Publicado em:

Leite, Manoel Rodrigues. Emoções Tatuadas. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2020

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