QUILOMBO DO MORRO ALTO

Poemas | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMES
Publicado em 03 de Novembro de 2025 ás 13h 20min

QUILOMBO DO MORRO ALTO

CARLOS OMAR VILLELA GOMES

 

Não me digam que sou negra de alma branca,

Pois minha alma tem a cor que eu mesma ostento!

Negra minha pele, sim senhores,

Negra minha alma, com orgulho!

 

Me pergunto com ponta de amargura:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

A terra avó ainda soa

Na voz de um velho africano,

Lembrando histórias do Congo,

Que segue vivo além-mar.

Tambores, tantos tambores,

Insistem em retumbar...

 

Fui morrendo nesta terra sem viver,

Trago o peso dos grilhões e preconceitos...

Escravidão ardendo no meu peito

E o coração finando seu querer.

Mas veio das lonjuras do meu ser

Uma paixão que me tomou de assalto

E junto aos meus, aqui no Morro Alto,

Depois de morta pude renascer.

 

O vento ruge aqui perto,

Tão forte quanto o meu peito

Ruge ao clamar liberdade...

O futuro é um céu aberto

Pra que as asas do respeito

Possam bater de verdade.

 

Sou gente deste quilombo

Sou um dos que ainda vivem

Das sobras da escravidão;

As marcas das chibatas sangram

Na pele negra do meu coração.

 

Meu ventre incha aos poucos, hesitante...

A vida vem mostrar o seu poder;

Mas nem a escravidão nem as correntes

Alcançam esta vida a florescer.

 

Meu filho nascerá neste quilombo...

O sol dourando o morro lembra o Congo

E faz o meu olhar ganhar lonjuras;

Ao mesmo tempo vem no coração

A minha eterna interrogação:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

Ou talvez quem me julga se condena

Com pele branca e alma tão pequena

Pois seus olhos não conseguem enxergar,

Que pudemos ser escravos algum dia

Mas com ou sem terras e cartas de alforria,

Nós somos livres, muito além deste lugar!

 

Eu sonho através das eras,

Pra mais de um século já...

Um futuro de igualdade

Muito mais que liberdade...

Futuro de identidade...

Esse futuro virá?

 

Mesmo depois de meu filho...

Mesmo depois de meu neto

Virá um tempo onde meu povo

Não precise compaixão?

Seguindo de fronte erguida,

Sem golpes da sociedade...

Andando com as próprias pernas,

Criando com as próprias mãos?

 

Será que a dor do quilombo,

De tantos talhos e tombos,

Encontrará redenção?

Será que a sina do negro

Encontrará algum sossego

Num tempo sem privação?

 

A indagação ressoa em minhas agruras:

Por que sou menos por ter pele escura?

 

Essa pergunta nunca vai calar?

O preconceito nunca vai calar?

 

Eu sonho através das eras,

Pra mais de um século já...

Peles negras, almas negras,

No ventre deste quilombo

Lavrando sua própria terra,

Colhendo sua própria paz...

Um futuro de igualdade

Muito mais que liberdade;

Futuro de identidade...

Esse futuro virá?

 

 

 

 

BREVE HISTÓRICO: No ano de 1852, na localidade denominada Capão Alto, um pouco ao norte de Capão da Canoa (cujo nome antigo era Capão da Negrada) desembarcou um navio negreiro. Os negros apreendidos deste navio eram em sua totalidade do Congo. Este episódio é considerado por muitos como a origem do quilombo do Morro Alto.

Morro Alto era o nome de uma das fazendas de Conceição do Arroio, que pertencia as famílias Marques da Rosa e Nunes da Silveira . Em meados do século XIX essas famílias foram acumulando propriedades em Conceição do Arroio, primeiro nome da Cidade de Osório.

Nos anos de 1883 e 1884 provavelmente os escravos desta fazenda tenham sido todos alforriados de várias maneiras. Um inventário feito nesta fazenda doou a alguns escravos partes da fazenda do Morro Alto.

Antes da construção da estrada as relações comunitárias se expressavam por maio do uso dos caminhos que cruzavam os morros. Essas trilhas pelo meio do mato são lembrados como contato entre as senzalas, por onde vinham os escravos para as suas festas.

O distrito de Morro Alto, que já pertenceu à Osório, faz parte atualmente de Maquiné (RS) , litoral norte do Rio Grande do Sul, e que fica aproximadamente 120 km de Porto Alegre. A população desta comunidade, com aproximadamente 500 habitantes, é na sua maioria formada etnicamente de negros e mulatos. Agricultura, pecuária e extração de basalto são as principais fontes de renda do local. Apesar do decorrer dos tempos não ocorreu um grande desenvolvimento do local. Há apenas uma escola de 1° grau, um posto de saúde e o comércio local não é diversificado.

Desde a década de 60 a população negra de Morro Alto vem lutando pela sua afirmação de identidade, regularização fundiária e pela atenção das ações políticas públicas em relação aos direitos do afro descendentes no Brasil. No ano de 2001, a comunidade apresentou sua demanda de regularização das terras ocupadas e a recuperação daquelas perdidas de diversas formas, inclusive pelo atual projeto de duplicação da BR 101.

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