POR AFETOS POSITIVOS. Prefácio da obra "Promoção da Saúde Mental na Relação Educador-Educando No Ensino Superior (Amanda Lima de Oliveira)

Prefácio | Josivaldo Constantino dos Santos
Publicado em 31 de Outubro de 2022 ás 19h 06min

POR AFETOS POSITIVOS

Este livro trata de afeto, de amorosidade, de diálogo, de sensibilidade na relação docente-discente no processo de produção de conhecimento, para a promoção da saúde mental do estudante e consequentemente para a promoção de seu bem-estar. O diferencial nesta abordagem, é que a autora, não está se referindo à Educação Infantil, ou ao Ensino Fundamental ou ainda ao Ensino Médio. Amanda Lima, freireanamente, fala de amorosidade, dialogicidade e de afetos, na relação docente-discente no Ensino Superior. Isso mesmo. Ensino Superior! Para muitos, isso deve soar estranho, visto que essa preocupação não é comum na perspectiva desse nível de ensino.

Na contramão dessa visão reducionista, Amanda nos mostra a necessidade do “bom afeto” nas relações pedagógicas no ambiente universitário, para o equilíbrio entre saúde física, mental, e consequentemente, êxito nos estudos. Outro diferencial, é que Amanda, nos proporciona essas reflexões a partir de sua experiência como graduada em Filosofia e em Pedagogia (sua segunda graduação). Ela fala a partir do lugar onde se encontra, o lugar de acadêmica, de uma universitária. Fala como discente. Fala a partir das relações pedagógicas que viveu e vivenciou no Curso de Pedagogia. Fala, após escutar pacientemente e metodologicamente outras acadêmicas de seu curso, cujas palavras, soaram mais como um desabafo do que como uma entrevista. Por isso, sua voz representa todos os discentes de seu curso, e representa simbolicamente todos aqueles discentes das demais instituições de Ensino Superior, que passam por experiências frustrantes e negativas na relação docente-discente durante o longo período de formação, provocando, ou agravando, dessa forma a ansiedade e a depressão.   

A autora fundamenta sua concepção de afeto a partir do filósofo Spinoza, que diferentemente de outros pensadores que colocaram obstáculos intransponíveis entre racionalidade e afetividade, vê uma união estável e indissociável entre razão e afeto. Pelo fato dos afetos serem “afecções do corpo” conforme diz Spinoza, as relações, sejam elas quais forem, passam necessariamente pelos afetos. Somos afetados positivamente e negativamente em nossas relações, e nas relações proporcionadas pelo processo ensino-aprendizagem, não é diferente. Para ser mais claro, Amanda nos faz refletir sobre os afetos positivos (que eu chamo de “bons afetos”) e sobre a ausência dos mesmos em muitas relações entre docentes e discentes no Ensino Superior.

Nessa perspectiva, o conatus (Spinoza), enquanto esforço vital de afirmação da existência e o “ser mais” (Freire) como a tendência ontológica do homem de construir um alto nível/grau de humanização, são ativados e afirmados quando os afetos são positivos, diminuídos e negados quando os afetos são negativos. Nossa “potência de agir”, aumenta ou diminui de acordo com a forma como somos afetados, ou seja, conforme nossas relações.

Essa junção/integração entre o conatus spinoziano e o “ser mais” freireano, é captada de forma brilhante por Amanda, e constitui sua base de análise das relações docente-discente na construção do conhecimento na universidade. É nesse sentido que Amanda, munida de um referencial teórico apropriado e consistente, dialoga com docentes e discentes do Curso de Pedagogia em busca de respostas para duas indagações fundamentais: “Como o educador pode impactar o educando de modo a aumentar sua potência de agir, fazê-lo querer continuar a perseverar no ser, torná-lo confiante? E como [...] pode também refrear a potência de agir do educando, oprimir sua busca em ser mais”?  Com os diálogos mantidos a partir dessas indagações, Amanda vai tecendo uma rede de compreensões de situações do cotidiano das relações docente-discente na sala de aula afim de captar os impactos positivos e negativos dessas “afecções” na saúde mental dos estudantes universitários. É muito precisa ao definir saúde mental como um excelente estado de bem-estar e equilíbrio psicossocial. E as relações de afetos positivos ou de “bons afetos”, são fundamentais para manter e fortalecer esse equilíbrio.

É nesse cenário que as entrevistas com discentes, se transformam em relatos de desabafos. São relatadas pelas acadêmicas, situações de desânimo, de angústia, de medo de se expressar, de propor, de errar, de arriscar, de inventar, ou seja, medo de exercer a função discente, devido a relações que humilham, desvalorizam, afastam e diminuem o outro. São afetos negativos balizados pela arrogância que privilegia o grau de hierarquia docente em detrimento do reconhecimento do lugar do outro, o discente.

Amanda mostra que são esses afetos negativos, somados às exigências/pressões próprias da academia, bem como a situações de vulnerabilidades (social, financeira, etc), dificultando a permanência de muitos discentes na universidade, que propiciam a fragilidade da saúde mental dos discentes universitários.   

Entretanto, nesse mesmo cenário, há relatos que expressam a alegria e o contentamento nas relações docente-discente. São relações motivadoras que propiciam o crescimento pessoal, intelectual, a autoestima do discente, que o enche de esperança em concluir com êxito a sua formação acadêmica. São relações de acolhimento e de escuta proporcionadas pelo docente. São relações em que a hierarquia é respeitada e valorizada, mas não com a arrogância de quem assume uma postura de detentor do saber. São relações, nas quais, estão inseridas, o zelo, o cuidado, o carinho e a ternura. São relações que expressam o querer bem ao outro, porque legitimam o outro como outro.  São relações sensíveis e promotoras de afetos positivos. São afetos promotores da saúde mental de docentes e discentes.

Enfim, finalizo esta apresentação enfatizando que esta obra é o resultado de uma pesquisa de campo que me proporcionou quatro prazeres: o prazer de orientar a pesquisa; o prazer de vê-la ser aprovada com louvor pela banca avaliadora; o prazer de prefaciá-la agora, e o prazer de vê-la publicada.

Que essa obra possa ser provocadora de mais afetos positivos na relação docente-discente nas universidades brasileiras. 

      

                                                                                  Prof. Dr. Josivaldo Constantino dos Santos (escritor e poeta)

                                                                                   Faculdade de Educação e Linguagem – FAEL

                                                                                  Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT

                                                                                  Campus Universitário de Sinop

                                                                          

                                                                                                                                         Outubro de 2020

Comentários

Comecei lendo um prefácio, de repente me vejo lendo a suma de um tratado filosófico, tamanha a riqueza da obra, exposta brilhantemente pelo escritor!

Enoque Gabriel | 31/10/2022 ás 21:52 Responder Comentários

Lindo e rico em palavras verdadeiras, parabéns.......

Maria Dasdores Alves Lima | 01/11/2022 ás 11:39 Responder Comentários
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