O medo é um sentimento natural do ser humano. Penso que todo mundo tem medo de alguma coisa.
Cresci envolvida em medos. E não eram poucos. Eu tinha muito medo, desde pequena. Medo de gnomo, duende, saci-pererê, lobisomem, mula sem cabeça, fantasma, assombração, homem do saco, mulher de branco, cachorro louco. A maioria desses medos eram os outros que infligiam na gente. E quanto mais se crescia, mais coisas se tinha medo.
Mas tem um medo que ficou muito tempo em mim. Eu tinha já uns 10 anos. Era o medo da mulher da perna de pau.
Dona Jacinta era uma senhora bem baixinha, nem gorda nem magra, beirando os 50 anos de idade. Ela morava longe de minha casa, mas passava bem próximo quando descia no ponto de ônibus.
A questão é que Dona Jacinta tinha uma perna de pau. Meus amigos e eu corríamos dela como loucos, gritando de tanto medo, porque a perna de pau fazia certo barulho quando ela andava.
Dona Jacinta baixava a sua cabeça e seguia o trajeto do ponto de ônibus rumo a sua humilde casa. Não dizia nada. Nem sequer uma palavra. Só olhava de canto de olho, cabisbaixa.
E assim foi por um longo tempo. Dona Jacinta descia no ponto de ônibus e toda a molecada da rua corria aos berros de medo dela. Ela, como de costume, baixava a cabeça e partia.
Certa vez, eu estava sozinha brincando próximo ao ponto de ônibus quando Dona Jacinta descera. Eu corri de medo dela e caí por causa das pedras soltas que havia na rua. O desespero foi grande, comecei a chorar de dor e, ao perceber que Dona Jacinta se dirigia para o meu lado, o pânico tomou conta e aí sim eu gritei, mas gritei tanto que quase fiquei rouca.
Dona Jacinta nem quis saber e se aproximou. Olhou bem nos meus olhos, observou o meu joelho ralado e exclamou: “Acho que você precisa de ajuda!”
E, num instante, ela tirou uma garrafinha de água da bolsa, limpou o ferimento no meu joelho e ainda colocou um curativo sobre o machucado.
Tive medo de início, mas depois descobri que ela tinha um bom coração. Senti-me envergonhada por isso.
Agradeci o gesto caridoso.
Ela respondeu: “Por nada!” E acrescentou: “Eu queria que minha perna não assustasse ninguém, mas ela é assim... barulhenta”. E riu.
Eu, ainda sem jeito, indaguei: “É difícil andar com uma perna assim? Por que você precisa dela?”
“Eu sofri um acidente quando ainda era criança. Então precisei amputar uma parte de minha perna esquerda. Hoje uso essa prótese para andar. Jamais quis assustar qualquer criança com isso”.
“Desculpe-me, Dona Jacinta”, eu disse meio embaraçada e morrendo de vergonha. “Me perdoa por ter tido medo da senhora?”
E ela, com a mesma paciência com que cuidou do meu ferimento respondeu: “Sim, filha. Não é só você quem tem medo de mim. Muitas pessoas têm medo da minha perna de pau, porque ela faz muito barulho. Mas eu preciso dela assim mesmo, porque não tenho mais a minha”.
Então eu dei um forte abraço em Dona Jacinta e novamente lhe agradeci. Ela me deu um beijo no rosto e foi para a sua casa.
Depois daquele dia passei a admirar Dona Jacinta imensamente e falei para todos meus amigos que não deveriam ter medo dela, pois ela era muito bondosa e me ensinou: não julgue sem conhecer.
Comentários
Emocionante história! Uma bela lição de amor!
ENOQUE GABRIEL | 07/03/2023 ás 09:13 Responder Comentários