Isadora havia casado pela 2ª vez. Já mais velha, mais experiente, mais madura e feliz, sonhava em ser mãe, sonho sonhado embaixo dos seus cabelos encaracolados. O novo marido, Diego, mais jovem, nunca havia casado, também sonhava em ser pai. Conheceram-se numa casa de salsa. De baile em baile, surgiu o romance, o amor, o casamento. Foi uma união de duas famílias numerosas, amorosas e animadas. Estava escrito nas estrelas que seria assim.
O primeiro ano de casamento não trouxe a tão sonhada gravidez. Partiram para as investigações e exames. Examina daqui, examina dali e nada se achava. Realmente não se achava nada, nem vingava gravidez alguma. Então, o certo seria fazer a fertilização, mais segura por conta da idade dela. E vieram injeções, dor, ansiedade, lamento. Primeira tentativa, hormônio demais, foi preciso mexer na dosagem. Começava tudo de novo, agora com menos medicamento. Nada. Que tal mudar de médico, hospital, quem sabe? Mudaram tudo, menos a vontade de se tornarem pais. Foram quatro tentativas, uma gravidez que durou quinze dias e nada mais. Entenderam o recado de Deus. Ao mesmo tempo inscreveram-se no programa de adoção da cidade onde viviam. Tudo com muita demora. Entrevista com psicóloga, assistente social, uma burocracia. Oito anos se passaram e nenhuma criança apareceu. No meio do caminho surgiram dois acontecimentos importantes: a gravidez da cunhada, o irmão de Isadora seria pai pela primeira vez. A inveja (boa) surgiu. Fugia igual o diabo da cruz. A cunhada queria que ela passasse a mão em sua barriga, falasse com o bebê que estava a caminho, mas ela chorava escondido. Queria estar naquele lugar, sentindo tudo aquilo. Enquanto isso, a espera pela chamada na Vara da Infância seguia agoniante.
Um dia, o telefone toca. Uma conhecida ligou dizendo saber do desejo, da vontade daquele casal de serem pais e que havia achado a solução. Na igreja que frequentava havia um grupo de apoio à adoção, tinha até uma advogada, que gratuitamente, cuidava dos casos. O padre, ciente de tudo, também apoiava. Havia surgido uma menina do interior. Engravidou de um fazendeiro rico, influente e casado. A mãe a mandou para a capital, para ter o filho e deixá-lo para adoção. Foi acolhida numa casa religiosa. Lá fazia tudo certinho, acompanhamento médico, pré-natal, recebia orientações e cuidados. Mas as freiras não sabiam que ela daria a criança. Dando à luz, sairia dali e entregaria a criança para alguém que a quisesse. Foi assim que esse padre e seu grupo, conheceram Ana Maria.
Isadora e Diego se interessaram pelo caso. Com o apoio do pessoal da igreja e da tal advogada, acompanharam de longe toda a gravidez. Cada exame, cada evolução, tudo direitinho. Com o nascimento do bebê entrariam com o pedido de guarda provisória. Tudo dentro da lei.
Eis que antes desse tão esperado dia chegar, nasce o sobrinho de Isadora. E agora? Ela pensava: que tipo de sentimento teria por aquela criança tão amada e ao mesmo tempo tão rejeitada? Precisou enfrentar aquilo. Mas a resposta não demorou a chegar. Ao conhecer aquele “pontinho de luz”, tão frágil e pequenino, seu coração que era de puro amor, não resistiu, foi amor à primeira vista. Ela o olhou e ele olhou para ela e como se fosse um feitiço, o bebê lhe sorriu. Pronto. Estava feito e consumado. Coração livre e apaixonado.
Ana Maria, depois de alguns dias teve a criança. Menino forte e saudável. Ficou um tempo no hospital e depois foram levados para um hotel, mãe e criança, tudo pago pela igreja. Lá a mãe ficaria com a criança até poder sair e voltar para sua cidade natal livre, com o “problema” resolvido.
Dia e hora marcada. Chegou o dia do Vinícius conhecer seus novos pais. Sim, esse foi o nome escolhido. Escondidos num carro, Isadora e Diego não viam a hora de pegar o filho nos braços e levá-lo para casa, onde tudo já estava arrumado: quarto, enxoval, roupinhas coloridas, bichinhos e bonecos. Ele veio, no colo da advogada, foi colocado no colo da mãe de coração e quietinho foi o caminho todo, até chegar em casa. Ana Maria ficou instalada num pequeno hotel da cidade dos pais adotivos, pois como era feriado, o cartório não estava aberto para dar entrada nos papéis de guarda da criança.
Vinicius era um anjo, foi acolhido naquele dia e naquela noite por todo o amor que existia naquela família. Foi cuidado, acarinhado, amado. No dia seguinte, iriam apresentar o bebê à família. O “pontinho de luz” conheceria seu priminho, já tão desejado. O telefone toca, ainda era noite. Do outro lado do telefone a advogada com voz embargada, soluçava ao telefone dando o recado: Ana Maria havia se arrependido de entregar o filho, queria-o de volta. Diego emudeceu. Não sabia como contar a Isadora que aquela alegria havia se dissipado, como fumaça no céu. Chegou no quarto e mesmo triste falou o que tinha que ser dito. Amanhã, levaremos Vinicius embora para sua mãe. O mundo naquele instante parou. Se havia dor mais profunda, Isadora desconhecia. Segurou Vinicius nos braços, rezou por ele e agradeceu a Deus por ter sido escolhida para ser mãe daquele “pedacinho de gente”, por algumas horas. Diego quis conversar com Ana Maria. Pediu que realmente cuidasse dele, que o assumisse de verdade e que ela não fazia ideia do sofrimento que havia causado.
Pela manhã, Diego e o cunhado levaram Vinicius até a igreja. De lá, a advogada se resolveria com Ana Maria. Em casa, Isadora sofria olhando para o quarto do bebê que já tinha seu cheirinho.
O “pedacinho de gente” partiu, mas deixou sua marca naquele coração. “Pontinho de luz” tornou-se o grande amor daquela família.
Filhos biológicos e adotivos nunca tiveram, mas tiveram disponibilidade para amar e acolher quem se aproximasse deles.