O Último Caminho que Percorremos Juntos

Contos | Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas. | Silvia Dos Santos Alves
Publicado em 21 de Maio de 2025 ás 20h 37min

Eu não sabia que aquele seria o último caminho que percorreríamos juntos, mas, ao olhar para trás agora, consigo sentir a suavidade do vento, o cheiro das flores e o calor das mãos de mamãe e papi nas minhas. Tudo parecia ter sido tão perfeito naquele dia, como uma pintura que se desenrolava suavemente diante dos meus olhos.

Era uma tarde de outono, e as árvores ao redor estavam vestidas de tons dourados e vermelhos. O chão estava coberto de folhas secas que farfalhavam a cada passo. Mamãe sorria com os olhos, como sempre fazia, e papai, com seu jeito tranquilo, falava sobre as coisas do dia a dia, como se nada no mundo pudesse interromper aquele momento.

Mamãe estava com seu vestido florido, aquele que sempre usava nas tardes de domingo, e papai, com sua camisa de manga curta, parecia mais jovem do que sua idade indicava. Juntos, eles eram uma unidade, um casal que tinha aprendido a viver um para o outro ao longo de tantos anos, e que, naquela caminhada, mais uma vez mostravam ao mundo a beleza do amor compartilhado.

Nós caminhávamos pela estrada de terra que levava até o campo onde brincávamos quando éramos pequenos. O sol se punha lentamente, tingindo o céu de cores quentes, e eu, com minha pequena mão na deles, sentia um conforto imenso, como se nada pudesse nos separar.

Papi falava sobre como a vida era simples, e que, se soubéssemos aproveitar os pequenos momentos, seríamos mais felizes. Ele dizia que a felicidade estava nas coisas mais simples: o som do vento nas árvores, a risada de uma criança ao longe, o perfume de uma flor. Eu olhava para ele, absorvendo cada palavra, e entendia que aquilo era mais do que uma lição de vida — era o legado que ele e mamãe me deixavam.

Mamãe, com sua voz doce, me chamava de vez em quando para me mostrar algo interessante na estrada: uma pedra brilhante, uma folha diferente, um passarinho que acabara de voar. Ela sempre gostava de fazer do cotidiano uma aventura, transformando até os momentos mais simples em algo mágico.

A caminhada seguiu tranquila, até que chegamos a um pequeno rio. O som da água correndo sobre as pedras trazia uma paz imensa. Papi tirou os sapatos e colocou os pés na água fria, enquanto mamãe e eu ficávamos observando, rindo, como sempre fizemos.

Ali, naquele rio, sentimos a eternidade do momento. Era como se o tempo tivesse parado, como se tudo ao redor tivesse ficado suspenso, e nós três formássemos um pequeno mundo à parte. O vento soprava suavemente, as folhas dançavam ao seu ritmo e o céu se tingia de estrelas.

Naquele instante, não sabíamos, mas aquele seria o último caminho que percorreríamos juntos. O último passeio tranquilo, o último sorriso compartilhado, a última risada de mamãe ecoando pelo campo.

Alguns meses depois, papai se foi, tão tranquilo quanto foi sua vida. Mamãe, com sua força silenciosa, segurou minha mão e me guiou com a sabedoria que sempre teve, mas algo dentro de nós se quebrou naquele momento. A saudade que ficou foi imensa, mas também as memórias daqueles dias, das conversas simples e dos momentos de carinho. Eles, mamãe e papai, nunca desapareceriam de verdade.

Hoje, sempre que caminho pelo campo, sinto a presença deles ao meu lado. As folhas caindo, o som do vento, o brilho do sol, tudo me lembra daquele último caminho juntos. Não é uma despedida, é uma continuidade. Pois, como papai disse, a felicidade está nas coisas simples, nas lembranças que nos fazem sorrir, e no amor que nunca se perde.

O último caminho que percorremos juntos não foi o fim, mas o começo de tudo o que aprendi sobre amor e saudade.

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

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