Era uma tarde quente de primavera quando João se sentou na varanda da velha casa, observando o horizonte. As montanhas distantes pareciam envolver o mundo em uma manta silenciosa e tranquila, como se o tempo, ali, tivesse parado. Ele não era mais jovem, mas o que o fazia refletir não era a idade que o alcançava, e sim o peso das histórias que carregava dentro de si, aquelas que, com o passar dos anos, se tornaram lendas.

A casa onde ele vivia havia sido construída por seu avô, um homem que, aos olhos de João, parecia quase uma figura mitológica. Seu avô sempre dizia que o tempo não era linear, que ele fluía como o rio que cortava o campo, com curvas e meandros, mas sempre indo em direção ao mar. E, para João, aquilo não era apenas uma metáfora — era uma verdade. O avô havia falado de tantas coisas em sua vida: amores perdidos, viagens misteriosas e encontros com pessoas que pareciam saídas de um conto antigo. Mas o mais importante era que ele nunca falava do fim. O tempo, para ele, nunca terminava.

João havia crescido ouvindo essas histórias, e em cada uma delas sentia que o tempo se fazia mais do que apenas uma linha reticente; ele se tornava algo concreto, como uma substância que se esculpia no passado e se projetava no futuro.

Foi no último aniversário de seu avô, quando ele completou 100 anos, que João compreendeu a verdadeira magnitude do que seu avô dizia. O homem estava frágil, com os cabelos brancos como a neve, mas seus olhos, ainda vivos e brilhantes, pareciam carregar o brilho de mil estrelas. Ele convidou João para uma última conversa à beira do rio, onde haviam passado tantos verões de suas vidas. Era ali, no silêncio da natureza, que as palavras fluíam com a clareza de um rio cristalino.

— O tempo, João, não é apenas o que medimos com relógios e calendários — disse o avô, sua voz suave. — O tempo se faz lenda na memória de quem o vive. Cada escolha, cada passo, cada amor que deixamos para trás. Tudo isso vira uma história que, de alguma forma, transcende o próprio tempo. Eu não sou o homem que fui antes, mas carrego dentro de mim todas as versões de mim mesmo. E um dia, você será também uma lenda. O tempo, meu neto, é o que você deixa de recordação no coração dos outros.

Naquela tarde, com o vento suave tocando as árvores, João sentiu uma paz profunda. Ele sabia que o avô não tinha mais muito tempo. E foi assim, com o sol se pondo e os pássaros cantando, que seu avô passou a ser uma lenda viva — uma história que ele sabia que jamais morreria, pois, cada pessoa que o conheceu levaria consigo um pedaço daquele homem, e a memória dele se espalharia como sementes ao vento.

Anos se passaram, e o tempo, como sempre, seguiu seu curso. João, agora com a mesma idade que seu avô tinha quando lhe disse aquelas palavras, sentava-se na mesma varanda, com o olhar perdido no horizonte. Ele lembrava-se de tudo o que o avô lhe ensinara, das lições de vida que pareciam mais sabedorias de um outro tempo, e sabia que não havia necessidade de grandes feitos para se tornar uma lenda. Bastava viver com amor, fazer escolhas com coragem e deixar que o tempo se encarregasse do resto.

E, como o rio que não para de correr, o tempo de João se fez lenda também. Não foi pela grandeza de feitos extraordinários, mas pela simplicidade de viver de forma plena, espalhando histórias e memórias que ecoariam por gerações.

No fim, o que ficou foi a verdade que o avô sempre lhe dissera: o tempo não se perde. Ele se transforma. E, um dia, o tempo que se vive se torna parte das lendas que alimentam o coração do mundo.

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

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