O SUSSURRO DA POESIA

Contos | Antologia Josivaldo Santos e convidados - Exalando poesia | Amanda Mazzei
Publicado em 17 de Maio de 2024 ás 18h 36min

Era uma tarde preguiçosa de outono quando Júlia, uma jovem poeta, decidiu caminhar pelo parque da cidade em busca de inspiração. As folhas alaranjadas e douradas formavam um tapete macio sob seus pés, enquanto o vento fresco sussurrava segredos antigos entre as árvores. Ela carregava consigo um caderno de capa marrom, já bem gasto pelo uso constante. Sentando-se em um banco de madeira, olhou ao redor, tentando absorver a beleza ao seu redor.

Enquanto estava imersa em seus pensamentos, percebeu algo incomum. As sombras das árvores pareciam se alongar de maneira estranha, criando formas fantasmagóricas no chão. O parque, que antes era acolhedor, agora parecia um cenário de mistério. Ela ouviu um leve som de passos na trilha de pedra atrás dela, mas quando se virou, não havia ninguém.

Um arrepio percorreu sua espinha, mas ela decidiu ignorar o desconforto, atribuindo-o à sua imaginação fértil. Ao fechar os olhos novamente, concentrou-se nas sensações ao seu redor. O cheiro da terra úmida, o som das folhas farfalhando e os pássaros cantando criavam uma sinfonia natural. Era como se a própria natureza estivesse recitando um poema para ela.

De repente, um homem idoso apareceu caminhando lentamente pelo caminho de pedra. Seus passos eram leves, e ele carregava um pequeno cachimbo de madeira. Sentando-se no banco ao lado de Júlia, ele acendeu o cachimbo, enchendo o ar com uma fragrância doce e amadeirada. Júlia abriu os olhos e sorriu para ele, mas sentiu um leve desconforto. Havia algo nos olhos dele que a intrigava, algo profundo e insondável.

— Boa tarde — disse ela, tentando afastar o desconforto.

— Boa tarde — respondeu o homem, soprando uma nuvem de fumaça que dançava no ar antes de se dissipar. — Belo dia para se perder em pensamentos, não acha?

Júlia assentiu, olhando para a fumaça que ainda pairava no ar. Sentia-se estranhamente atraída por aquele homem, como se ele tivesse um poder hipnótico sobre ela.

— Sim, é perfeito. Estou tentando escrever um poema, mas às vezes as palavras me escapam.

O homem sorriu, seus olhos brilhando com um conhecimento silencioso, mas havia algo mais ali, uma escuridão oculta.

— Às vezes, as palavras não vêm porque estamos tentando controlá-las demais. A poesia, assim como a fumaça, precisa de liberdade para flutuar.

Intrigada e um pouco assustada, Júlia observou a fumaça do cachimbo do homem, que subia e se misturava com o ar, formando desenhos efêmeros. Era quase hipnótico, e ela sentiu uma leve tontura.

— Inalar a poesia — disse ele suavemente. — É isso que faço. Cada tragada de fumaça carrega uma história, uma emoção, uma lembrança. Não pense demais nas palavras. Deixe-as vir até você como a fumaça, leves e livres.

Júlia fechou os olhos novamente e respirou fundo, inalando o aroma do cachimbo. Imediatamente, sentiu-se transportada para outro lugar, onde as palavras dançavam ao seu redor, formando versos em sua mente. Mas havia algo mais ali, uma sensação de ser observada, vigiada.

Ela abriu o caderno e, sem pensar muito, começou a escrever. As palavras fluíam facilmente, como se estivessem esperando por aquele momento de liberdade. Quando terminou, leu em voz alta:

"Em tardes de outono, quando a brisa sussurra,
A poesia flutua, livre, em cada murmúrio.
Como a fumaça que dança, sem rumo, no ar,
As palavras se encontram, sem pressa de chegar."

O homem sorriu e assentiu, satisfeito, mas havia algo perturbador em seu sorriso.

— Viu? A poesia já estava em você. Só precisava de espaço para respirar.

Júlia sorriu de volta, mas sentiu um calafrio. O homem se levantou lentamente e começou a caminhar de volta pelo caminho de pedra. Enquanto ele se afastava, Júlia notou algo estranho: seus passos não faziam som algum, e a sombra dele parecia se mover independentemente do seu corpo, como se tivesse vida própria.

Ela ficou observando até que ele sumisse de vista, ainda sentindo o aroma doce e amadeirado no ar. Levantou-se do banco, guardou o caderno e começou a caminhar de volta para casa, sentindo-se leve como a fumaça, mas com uma sensação persistente de que algo a estava seguindo.

A partir daquele dia, Júlia sempre lembrava de inalar a poesia em cada momento, mas nunca mais voltou ao parque sozinha. E em noites silenciosas, quando o vento sussurrava entre as árvores, ela às vezes ouvia passos suaves atrás dela, e o aroma doce e amadeirado do cachimbo preenchia o ar, lembrando-a de que algumas inspirações carregam consigo um toque de mistério.

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