O sertão

Contos | Neiva Guarienti Pagno
Publicado em 16 de Setembro de 2022 ás 22h 42min

− E lá vem o Sertão!!! – gritava alguém no meio da multidão.

Ele era já bem velho, comprido, da cor verde com umas faixas brancas. Por dentro, quase uma lata de sardinha: apertado, bancos de couro já gastos, quarenta exatos lugares, com vinte assentos em cada lado, mais o banco do motorista e do cobrador bem na frente.

No Sertão cabia de tudo. Era criança, senhor, senhora, estudante com mochila, homem alto que batia a cabeça no teto, homem gordo que mal conseguia passar entre os bancos, mulher com galinha no braço, rapaz com rádio grande nos ombros, senhor levando saco de farinha, homem carregando fumo de corda.

E por aí vai.

− O Sertão é uma loucura!!! É um Deus nos acuda! – resmungava alguém sem nenhuma frescura.

O Sertão passava em todas as comunidades, em todas as vilas, em todas as estradas e ia juntando gente e mais gente, coisa e mais coisa e tudo ia lá dentro. Mas o danado era ligeiro, parecia que tinha fogo nas ventas. Em uma hora e meia ele fazia o percurso entre todas as vilazinhas, ruazinhas, estradinhas e levava esse bando de gente e de coisas até a cidade maior.

− O Sertão é muito ligeiro!!! – clamava algum passageiro.

E era assim o tempo inteiro, o ano todo, o danado do ligeiro, andava bem faceiro, passando pelos vilarejos.

Mas um dia foi diferente. Nesse dia quando chegou o Sertão, ele já estava LO TA DO, CHEI O, EN TU LHA DO de gente, de coisas, e quinquilharias.

Porém continuava, em cada vilazinha que passava, entrava criança, senhor, senhora, estudante com mochila, homem alto que batia a cabeça no teto, homem gordo que mal conseguia passar entre os bancos, mulher com galinha no braço, rapaz com rádio grande nos ombros, senhor levando saco de farinha, homem carregando fumo de corda.

− O Sertão está apertado!!! – berrou alguém desesperado.

Até que não deu mais. Não teve jeito nem solução. O Sertão ficou com super lotação. Isso sem qualquer exageração.

Mas não pensa que ele parou de funcionar, de andar, de trafegar. O que aconteceu é que não entrou mais ninguém, porque não cabia nenhuma agulha.

Aquele dia sim foi um sufoco, um “apertamento”, um enjaulamento, um tormento, mas não para o Sertão. Era alguém que reclamava:

− Para de entrar gente. Não há quem aguente. Aqui dentro está muito quente!!!

E o Sertão seguia seu rumo, seu trajeto. E era como sempre: ligeiro, faceiro, levava tudo e qualquer passageiro.

Só que nesse dia muitos ficaram para trás, reclamavam, xingavam. Mas não cabia, não tinha o que fazer. Ficaram sem condução, sem viajar com o Sertão.

Ao final de uma hora e meia lá chegou ele, pontual na cidade onde desciam todos: criança, senhor, senhora, estudante com mochila, homem alto que batia a cabeça no teto, homem gordo que mal conseguia passar entre os bancos, mulher com galinha no braço, rapaz com rádio grande nos ombros, senhor levando saco de farinha, homem carregando fumo de corda.

Nunca vi um ônibus tão empolgado, entusiasmado, corajoso, audacioso, valentão como o Sertão.

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