Mora em mim...
uma árvore.
De raízes fundas.
Que rompe o concreto —
em silêncio.
Ela não pediu licença.
Ela apenas nasceu.
Nutriu-se de dor.
E também…
da alegria que ninguém soube nomear.
Mora em mim...
um povo inteiro.
Vozes…
que ecoam desde antes de mim.
Gritam.
Cantam.
RezAm —
em línguas esquecidas.
Dançam com os pés feridos
sobre a terra quente da luta.
Sou feito de quem veio antes.
Não como herança.
Mas como recomeço.
Mora em mim...
a fome.
Não só de pão.
Mas de justiça.
De abraço.
De escuta.
Há em mim um grito —
contido.
Não por fraqueza.
Mas porque aprendi a falar com os olhos.
Carrego mapas…
no corpo.
De caminhos tortos.
De escolhas difíceis.
De amores que não terminaram —
apenas foram interrompidos.
Mas também de resistências que ninguém vê.
De construções silenciosas.
Quase sagradas.
Mora em mim um tempo…
que não se mede em relógios.
Se mede em gestos.
Em escuta.
Em cuidado.
Sou abrigo.
E tempestade.
Sou o cansaço dos dias que não param.
E a esperança…
teimosa…
dos que sonham acordados.
O que mora em mim —
não cabe em moldes.
Nem em etiquetas.
Porque o que mora em mim…
é maior do que eu.
E ainda assim...
cabe inteiro
no olhar de quem me encontra.