Quando fechava os olhos, Maria podia ouvir o som do riacho que passava atrás da casa onde cresceu. A água corria tranquila, como se estivesse contando segredos que apenas as pedras podiam entender. Mas era o que estava além disso que ela tentava alcançar — as lembranças da sua infância, aquelas que a vida insistiu em esconder, mas que, de vez em quando, surgiam como se quisessem ser encontradas.

Ela se lembrava dos dias longos, das tardes em que o sol parecia não se pôr nunca, e das árvores que, no verão, ofereciam sombra para tantas brincadeiras. Havia sempre risadas, sons de passos apressados e, principalmente, os gritos dos amigos correndo pelo campo. Era ali, naquele pedaço de terra simples e sem grandes luxos, que Maria sentia que o tempo se esvaía, mas de forma suave, como se ela tivesse o controle sobre ele.

Certa vez, seu avô lhe contou sobre um "poço das recordações". Era um lugar mágico, escondido no fundo da floresta, onde se podiam encontrar as memórias mais preciosas. Maria não entendeu o que ele quis dizer, mas, ao longo dos anos, o poço foi se tornando um símbolo — um espaço dentro dela onde as recordações de sua infância estavam guardadas.

Agora, adulta, ela sentia que havia algo nesse poço que ainda precisava descobrir. O cheiro da terra úmida, o som das folhas caindo e o brilho do sol filtrado pelas árvores — tudo isso parecia estar ali, esperando para ser resgatado. Às vezes, quando sentia o peso das responsabilidades da vida adulta, Maria fechava os olhos e descia até aquele poço, onde encontrava os pequenos momentos que faziam sua infância ser tão especial.

Lá estavam as tardes no quintal, quando sua mãe chamava pelo nome, e o cheiro de bolo saindo do forno, o perfume doce das flores, e os gritos de alegria enquanto ela e seus irmãos se perseguiam pela casa. E o mais importante, o sorriso de sua avó, com o olhar sempre cheio de sabedoria e carinho, dizendo que a felicidade estava nas coisas simples, como uma risada compartilhada ou um abraço apertado.

À medida que as memórias iam surgindo, Maria entendia que o poço não estava apenas dentro dela, mas em tudo ao seu redor — naqueles momentos de silêncio profundo, na tranquilidade da noite ou no som de uma música antiga tocada ao longe. O poço das recordações nunca se esvaziaria, pois, cada lembrança era uma pedra preciosa que formava as fundações do que ela era, e que, de algum modo, ela passaria adiante.

E assim, mesmo com os anos passando, Maria sabia que as recordações da infância nunca se perderiam. Elas permaneceriam vivas, imortais, no poço onde o tempo não alcança.

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

Comentários

Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.