Qual a cor da felicidade? _ perguntei com muita insistência.
— Por que isso agora, Antônio? Não faço a mínima ideia! _ disse a enfermeira concentrada mais em seus tubos e agulhas do que na pessoa que estava a sua frente.
— Com certeza não é vermelho! _ falou o Jeferson, paciente conhecido de longas datas, que dividia o espaço do ambulatório comigo, naquela ocasião e em tantas outras.
— Não sei a cor, mas branco é que não é! Me lembra hospital, se branco representa a paz, não é para as pessoas internadas nos hospitais. Branco me lembra remédio, injeção, quimioterapia e principalmente solidão. _ sentenciou a Delourdes, uma outra paciente que estava lutando assim como nós para se livrar do câncer. Só que no caso dela o câncer insistia em não deixá-la, geralmente reaparecia como se estivesse com saudade e só iria definitivamente embora quando ela fosse junto. Mas mesmo assim a luta continuava.
— Eu acho que é rosa, eu gosto de rosa. _ finalmente falou a enfermeira, talvez apenas para dar fim àquele arco-íris de indagações que não chegaria a lugar algum, e continuou. _ Desde criança eu gosto de rosa, o meu sonho era ter tudo rosa, e quando meus pais queriam me deixar feliz me presenteavam com algo rosa.
Fiquei relembrando a minha infância e certamente rosa não a representava. Viajei tanto, que me esqueci dos últimos anos de tratamento constante, e quase nem percebi a enfermeira dizendo.
— Antônio está liberado! Aguarde na sala de espera, para falar com o doutor.
Obrigado! _ agradeci e saí sem muita pressa, torcendo para que aquele momento fosse uma despedida dos meus colegas de exame. E, sonhava que eles também o fizessem em breve, não por terem perdido a batalha, e sim por desejar que o câncer transformasse apenas em lembrança, e cada vez mais de um passado distante.
Na sala de espera via emoções estampadas nos rostos e atitudes das pessoas que ali circulavam. Porém, a cor da felicidade não saia da minha mente. Havia lido alguns dias um livro que citava um tal Pássaro Azul da Felicidade, não me lembro bem o livro, pois esse era um prazer que eu havia retomado. E, como todo prazer livre não carece de anotações ou apontamentos. Só que aquela frase insistia em jogar ping-pong com os meus pensamentos. Só fui interrompido quando chamaram o meu nome para a consulta a tanto aguardada.
— Não farei rodeios, o que eu tenho a falar é meus parabéns! Nós conseguimos, hoje você está curado do câncer. A partir de agora não é mais remissão.
O médico falou muitas coisas, cuidados, recomendações, brincadeiras e muitas outras coisas. Não lembro do que exatamente tratava, sei apenas que foi muita coisa, pois os lábios dele mexiam, e eram esses assuntos. Já que sempre eram as mesmas recomendações e quando muito as mesmas piadas. Me sintonizei quando ele perguntou:
— E aí Antônio, o que vai fazer agora?
— Vou procurar o pássaro azul. _falei sem pensar muito.
— Isso é bom, a natureza e as causas ecológicas fazem bem. — Acredito que ele pensara que eu iria me tornar um ecologista, fundar uma ong, ou lutar pelas ararinhas azuis, simplesmente pus-me a agradecer e despedir, a euforia tomava conta e eu precisava de espaço.
Quando sai do hospital com vontade de pular e gritar, olhei para o alto para agradecer e entendi realmente que a felicidade é azul. No céu tem amplidão, tranquilidade, esperança e acima de tudo liberdade, em tudo que é azul a paz está de maneira sublime. E acredite ou não que na imensidão do infinito, juro que vi um pássaro, pequeno e azul. Naquele momento entendi que ele só pode ser percebido quando está em pleno voo, apenas poucos o enxergam, pelas razões mais variadas. Mas, isso não importa no momento, o que realmente é significativo é que agora eu consegui ver o pássaro azul da felicidade.
Publicado em:
Leite, Manoel Rodrigues. Emoções Tatuadas. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2020