O paiol abandonado
Contos | 2025 - OUTUBRO - Sussurros da noite: contos e poemas de mistérios | Romeu DonattiPublicado em 17 de Março de 2025 ás 22h 06min
Tito era um garoto corajoso, mas havia uma coisa que o assustava: o velho paiol abandonado no alto da colina. Todos os dias, ao passar por ele a caminho da escola, ele acelerava o passo, evitando olhar para a construção decadente. O paiol estava envolto por histórias de assombração, especialmente após a remoção e a transferência de um cemitério centenário.
................
Os boatos sobre mistérios e fantasmas rondando o celeiro se intensificou a partir de 1954, quando duas famílias poderosas, os Menezes e os Bernardes, disputavam um pequeno sítio chamado Felicidade, propriedade de Zeza e Armando Tavares. O casal, sem filhos por muitos anos, vivia feliz até o milagre acontecer: Zeza, aos 45 anos, descobriu-se grávida. Bernardo, seu filho, trouxe alegria e renovou o amor e a esperança naquela terra.
Ernesto Menezes, obcecado por adquirir o sítio, fizera ao casal inúmeras propostas de compra, todas veementemente declinadas. Certo dia, ao visitar o local para uma nova tentativa, encontrou Bernardo sozinho no alto da escada do paiol. O garoto havia subido até lá para debulhar milho para alimentar as cabras e as galinhas.
– Onde estão seus pais, rapazote? – perguntou Ernesto, rudemente.
– Foram à cidade, senhor – respondeu Bernardo, assustado.
Ernesto, incauto, quis fazer troça do menino e tentou forçá-lo a subir na garupa de sua égua para cavalgar pela propriedade. Bernardo, intimidado pelo convite repentino, quis afastar-se, tropeçou e caiu da escada, batendo a cabeça no limpa-solas. Ernesto, em pânico, fugiu sem prestar socorro. Bernardo faleceu ali mesmo, à míngua.
A tragédia destruiu a vida de Zeza e Armando. Em menos de dois meses, o saudoso pai, incapaz de suportar a dor e o sofrimento, enforcou-se na tesoura do paiol.
Zeza, agora completamente só, enfrentou e confrontou Ernesto quando ele mais uma vez tentou gananciosamente arrematar o sítio.
– O que você fez com meu filho, seu monstro? – gritou Zeza, furiosa. Eu sei que você foi visto aqui pela redondeza naquele fatídico dia.
– Está louca, mulher! O juízo lhe comeu os miolos?
Zeza, desolada, confessou aos gritos, que Bernardo era filho de Ernesto, fruto da crueldade daquele homem desprezível que a violentara anos antes em uma de suas malfadadas diligências até o local.
– Matei meu próprio filho! Que desgraça eu causei! – lamentou-se Ernesto, atormentado pelo peso da revelação das palavras amargas daquela pobre mulher. Ele não sabia da existência de um filho bastardo até aquele momento. Lembrou-se então de vê-lo caído no chão, ao pé da escada, e do filete de sangue que escorria de sua testa e se misturava à terra esturricada e aos grãos de milho. Recordou-se de ter observado uma mancha familiar na coxa esquerda do garoto. Reconhecera a marca de nascença, tão semelhante a que ele mesmo tinha; porém, incrédulo e apavorado, fugira a galope.
Zeza, transtornada, amaldiçoou Ernesto e atirou-se da colina. Ele, consumido pela culpa, escreveu um bilhete confessando seus crimes e se enforcou no paiol.
................
Na década de 1980 o paiol começou a ser demolido. No dia em que o velho celeiro seria posto inteiramente abaixo, Tito, curioso, acompanhado de seu pai, entrou na construção e começou a escarafunchar pelo local, e encontrou o bilhete escondido na enferrujada trilhadeira, revelando toda a verdade sobre os delitos bárbaros cometidos por Ernesto Menezes.
Após aquela inacreditável descoberta, o paiol foi totalmente derrubado. Desde então, as terras do alto da colina voltaram a ser prósperas e as aparições, há quem jure de pés juntos, iniciaram. Há rumores de que nas noites de março e agosto, um casal e um garoto são vistos caminhando de mãos dadas, felizes, à beira do riacho, no pé da colina.