O Nhem nhem

Contos | Valter Figueira
Publicado em 08 de Setembro de 2022 ás 18h 53min

 

 

— Agora é minha vez de contribuir com uma história macabra. Já que estamos presos aqui com o Joaquim e essa chuva não acalma — Disse Leandro já pedindo para o grupo mais uma cerveja.

— Histórias macabras? São histórias reais que aconteceu na cidade. São verdadeiras lendas urbanas. —Ironizou Zeca. — Mas a que vou contar é verdadeira e tenho prova.

— Não se esnobe. Todas são verdadeiras. Vamos Leandro conte-nos a sua história.

Leandro começou a contar a história do Alcino Nhem Nhem, um desiquilibrado que vivia correndo para cima e para baixo na rua D. Era comum ver o Alcino Nhem Nhem muitas vezes correndo principalmente na praça da Igreja Católica, ali no meio das árvores ele descansava e as vezes dormia algumas noites e depois ele descia correndo a rua, mais tarde lá vinha Alcino apressado, parecia que estava correndo de alguém ou correndo para salvar alguém.

Alcino vivia com a mãe viúva, uma senhora que perdera o marido de forma trágica, homem trabalhador, quando conseguiu um bom patrimônio e numa negociação que o outro não tinha lhe pagado, numa cobrança amigável foi assassinado pelo homem que lhe deveria dinheiro e favores. Eram amigos até o dia em que desferiu alguns tiros em sua direção vindo acabar com os seus sonhos e com sua vida.

Leandro ajeitou a sua cadeira encheu seu copo de cerveja e disse, sorrindo para os amigos “preparem-se que a história é longa”.

Alcino morreu faz dois anos, a sua morte também foi trágica, ele não merecia o fim que teve. A mãe dele também não merecia ter passado tudo que passou. Primeiro com o marido que foi assassinado covardemente, depois o Geraldo, seu filho de apenas 21 anos e depois o Alcino que foi atropelado, mas antes ficou louco devido a morte do irmão, para entender todo o teor trágico da história vamos começar bem do início.

Quando estava com 18 anos e seu irmão 14, Alcino se aventurou no garimpo com o pai em busca de um enriquecimento e para dar uma vida melhor para a mãe e o irmão. Terminou o segundo grau no ano anterior, apenas deixou passar as festas de final de ano e a férias de janeiro então decidiu que era o momento de abandonar o emprego que tinha numa loja de móveis e tentar se bamburrar com o ouro, aproveitar que muitos estavam ganhando dinheiro significativo e levando uma vida bem melhor. Depois de 3 anos de trabalho árduo e sempre economizando eles tinham conseguido já melhorar as condições em casa. Uma casa nova com um quintal grande, daria uma piscina e uma horta, falava a mãe, dois carros na garagem, motores para garimpagem e alguns barcos.

Alcino tinha um barco de alumínio que precisava de algumas reformas, ele mandou colocar um tipo de espeto no bico do barco. O funileiro disse que seria perigoso e se tivesse mais do que dez centímetros aquilo poderia ser considerado uma arma. Mesmo assim ele colocou, teve o cuidado de ter apenas 7 centímetros de comprimento. Parecia aqueles barcos romanos com uma ponta de alumínio na frente. Aquilo passou a ser sua marca registrada e seu orgulho.

Como a vida tem autos e baixo, seu pai Paulo Moraes foi assassinado por um mandachuva da cidade. Artur Lira devia algum dinheiro a Paulo, pai do Alcino. Eram valores referente a venda de ouro e de da venda de uma terra, que Paulo tinha conseguido com o seu trabalho. Numa tarde Paulo Moraes foi até o escritório de Artur Lira fazer a cobrança. Ele estava precisando, precisa quitar dívidas com alguns fornecedores. Houve uma discussão e inesperadamente Artur Lira pegou a arma na gaveta, primeiro ameaçou e deu um tiro que acertou Paulo no braço direito. Paulo correu, tentou fugir e foi atingido por mais dois tiros nas costas, caiu na calçada já sem vida. Alguns transeuntes ouviram os tiros e correram, uns fugiram e outros correram na direção dos tiros e viram um homem caído na calçada do prédio vizinho ao escritório de Artur Lira.

Esse evento ocasionou uma quebra nos negócios de Alcino Moraes, teve que contratar um advogado para fazer justiça, acabou dando em nada. Alcino procurou manter a calma e não começar uma guerra como é de costume nas regiões de garimpo. Manteve a calma e orientado por sua mãe se manteve longe do assassino. Sempre evitava frequentar os mesmos lugares que o Artur e seus familiares. Alcino teve que desfazer de alguns bens para quitar as dívidas de seu pai com fornecedores. Mesmo sentindo a falta do pai, se animou para se reerguer e fez uma promessa ao irmão mais novo, que ele fosse para a faculdade, se formasse em direito e colocasse o assassino de seu pai atrás das grades.

Não foi fácil, Alcino trabalhou mais do que antes, recuperou alguns bens, comprou uma casa em Cuiabá e mandou seu irmão para estudar direito. Geraldo era um bom aluno, correto, honesto e sempre prestava conta de seu estudo para o Alcino e para sua mãe.  Nas férias do final de ano Geraldo vinha para Alta Floresta, rever amigos e parentes, era sempre uma alegria.

Num domingo, férias de Júlio, resolveram fazer um churrasco na ilha da Saudade, uma pequena ilha do Rio Teles Pires que tinha uma boa parte areia fina que muitos iam para tomar banhos nas águas rasas e fazer um churrasco nas pedras. Isso é normal, sempre na época da seca aparece a praia de areia do rio. Várias famílias se organizam para passar o dia na ilha.

Alcino e Geraldo eram grandes amigos, Alcino o protetor, o provedor na ausência do pai, mesmo assim gostava de ouvir o irmão mais novo, afinal ele estava quase se formando, se transformaria num belo advogado que ia vingar a morte do pai colocando o responsável na cadeia, as conversas tinham amenidades, mas também seriedade. Geraldo se preocupava com o irmão, querendo saber dos negócios, das mulheres e de como Alcino estava se cuidando em relação principalmente das doenças tropicais comuns entre os garimpeiros.

Alcino contou que perdera dois trabalhadores para a malária, depois disso todos os seus trabalhadores estão vigilantes tomando cuidados.

Depois de passarem todo o dia na praia da ilha era hora de voltar, final de tarde, o sol se pondo e a luminosidade bem fraca, Geraldo tirou algumas fotos quando estava no meio do rio, principalmente do brilho da luz solar refletido nas águas do rio, são imagens que serviria de papel de parede no seu computador. O barco ancorou na margem, sob a ponte de concreto que faz a ligação entre Carlinda e Nova Canaã do Norte. Ao descerem com os mantimentos os rapazes ficaram os pés enlameados. Alcino percebeu que não tinha estacionado o barco numa posição boa para tirar ele da água e puxar até a carreta. Seu irmão ao tentar subir a pequena rampa escorregou e caiu sentado numa parte que estava com lama. Geraldo levantou e levou o que tinha ajudado a retirar do barco até a carroçaria da camioneta, ficou para Geraldo trazer o carro até a beira da água para o embarque do barco, como ele tinha sujado a roupa, retornou até o rio para lavar. Alcino conversando com um amigo que estava na margem não percebeu que o Geraldo tinha entrado na água, o motor do barco estava ligado então ele fez uma volta rápida fazendo 180 graus, quando ele colocou o barco na direção da carreta, ele fazia isso sempre, colocava o barco bem rápido na direção do barranco e ele deslizava na areia fina. Mas desta vez o barco encontrou o Geraldo pela frente, quando Alcino se deu conta o arpão, a ponta de alumínio, aquela ponta que só o seu barco tinha atravessou o peito de Geraldo e o arrastou para o barranco. Alcino se desesperou, gritou e saiu correndo para acudir o irmão. Era tarde, nesse momento acaba ali todo o sonho de Alcino, toda sua vontade de se vingar do pai. Chorou, gritou que matou o irmão. Era um destino que ele jamais tinha imaginado. Geraldo não era simplesmente um irmão, era um amigo, era um filho, um protegido, uma esperança para seu futuro, para o futuro de ambos e da mãe. O que dirá ele a mãe. Que ele, que protegia os seus, que tomava todo cuidado para que tudo se encaminhasse com harmonia, caminhava para a construção de um futuro livre de ódios, livre da miséria e com a justiça sendo feita, seu pai vingado.

As pessoas que estavam ali correram para socorrer os dois irmãos, Geraldo ainda estava vivo, os amigos o colocaram na camioneta, soltaram a carreta para transporte do barco e se dirigiram para a cidade. Alcino estava sendo amparado por pelo menos 4 pessoas, trouxeram uma água com açúcar, ele teve um surto de desespero saiu correndo. O estaleiro foi até ele e o trouxe de volta para o restaurante, dizendo palavras de conforto, que o irmão iria ficar bem nas mãos do médico.

Alcino retornou à cidade de carona com amigos, recolheram o barco e deixaram na responsabilidade do Restaurante. Chegando a cidade correram até o hospital foi então que soube que Geraldo não tinha suportado os ferimentos. Um novo surto de raiva e dor acometeu o garimpeiro que desmaiou, sendo medicado e internado no hospital para que se recuperasse e não agredisse e machucasse os outros. Teve que passar a noite hospitalizado.

O Alcino Moraes, o garimpeiro, trabalhador, chefe de mais de vinte peões, está agora entregue ao que ele sempre colocou como chilique. Durante a noite tinha surtos de raiva e de febre, e por várias vezes desmaiou. O Alcino forte, que saiu da falência do pai e construiu um pequeno patrimônio com a força de seu trabalho agora estava amarrado a uma cama de um hospital público. O Alcino Moraes que, depois da morte de seu pai, foi um pai para seu irmão, que patrocinava o estudo do irmão para vingar a morte do pai colocando o assassino na cadeia, estava ali chorando feito uma criança, assustado, amedrontado por ser o culpado da morte de seu querido irmão. Ele estava tão descontrolado que os médicos não liberaram para participar do enterro do irmão. Não pode despedir. Quando voltou a si, já tinha passado três dias no hospital. Depois desse momento ele passou a ser o Alcino Nhem Nhem, tudo o que perguntava para ele respondia com a interjeição: Nhem! Nhem! Falava pouco, respondia que estava bem. Somente a mãe é que conseguia algum diálogo com ele. Ficava encolhido num canto da casa e as vezes saia correndo pelo quintal como se estive correndo para salvar o irmão. Recebia visitas, mas não conseguia distinguir as pessoas e nem ficava a par do que estava acontecendo. Sua mãe conseguiu sua intervenção judicial e vendeu a parte de Alcino nos negócios que ele tinha no garimpo. Com o dinheiro tentou alguns tratamentos. Por três anos ele foi o Nhem nhem, e vivia para cima e para baixo, correndo e quando falava com ele respondia: nhem, nhem. Era visto por várias vezes ali na rua D, e também na rua F, as duas ruas eram o seu mundo. Subia correndo a rua D, e ia descansar sob as árvores na praça da igreja matriz.

Leandro tomou o último gole da cerveja que ainda restava no copo, deu uma espreguiçada de gato, levantou e foi ao banheiro. Passou na cozinha e fez o seu prato, pegou mais uma cerveja na geladeira e enquanto os outros achavam que já tinha terminado a história ele alertou que ainda havia mais uma parte e que é a parte mais interessante. Deram um intervalo de mais ou menos uma hora, para comerem sossegados e durante o almoço alguns comentários e especulações sobre o Alcino e sua família.

Leandro reabasteceu o seu copo e dos colegas e pediu mais uma cerveja, se ajeitou na cadeira e começou a contar o que ele classificou a parte mais interessante e o final da história.

O Alcino estava quase bom, conseguia controlar seus impulsos, já não ficava correndo como antes, ficava mais em casa. A mãe querendo fazer com o filho voltasse a sociedade convida os amigos para almoços e jantares em casa. Alcino parecia já estar bem e conversava normalmente com os amigos e parentes. Conseguia sair com os parentes, iam a sorveteria, a parques e andavam na rua naturalmente, até em festas noturnas os amigos o levaram, sempre tomando conta para que ele não excedesse na bebida, ofereciam cerveja e ele tomava com maturidade. As vezes ele queria ir embora mais cedo, os amigos compreendiam e o levava para casa.

Um dia de sábado foram num baile na rodovia 208, estava tudo bem, tomaram algumas cervejas, dançaram e lá pelas duas horas da manhã o Alcino quis ir embora, os amigos disseram para aguardar um pouco, Alcino respondeu que qualquer coisa pegaria um táxi, já que ele tinha visto alguns táxis estacionado lá fora a espera de pessoas como ele que queiram ir embora.

Alcino foi lá para fora, mas ao invés de ir até o táxi foi dar uma volta, pois era noite de lua cheia e tudo relembrava os bons tempo de criança e adolescente. Na propriedade ao lado tinha duas fileiras de tubos com cerca de noventa centímetros de diâmetros, ele subiu nos tubos e ficou andando para lá e para cá, relembrando os tempos de criança. Estava feliz, de cima dos tubos tinha uma visão de longe, dava para ver algumas luzes de Alta Floresta e ficou imaginado o quanto a cidade cresceu e evoluiu. Tudo indicava que aquele sentimento de culpa pela morte do Geraldo tinha passado, ele não esqueceu, essas coisas são difíceis de esquecer, não queria esquecer do irmão, não queria esquecer do pai, queria apenas poder viver e fazer algo para fazer sua mãe feliz, ou pelo menos mais alegre, mais realizada. Ele ficou ali imaginando, ouvindo a música do baile, olhando as estrelas e tentando entender o quão grande é o universo, foi então que sentiu uma angústia no peito, começou a chorar e sentiu um vento frio, imediatamente ele se encolher, desceu e entrou no tubo que estava na segunda carreira, ali se encolheu novamente se protegendo da brisa fria. Ali, encolhido e sofrendo calado aquela angústia adormeceu.

Os amigos o procurou no salão, e como ele tinha comentado que pegaria um táxi, ficaram sossegados e foram embora.

Quando Alcino acordou já era 6 horas da manhã e estava bem claro, verificou meio sonolento onde estava, para chegar até a rodovia, caminho de casa, tinha que passar pelo salão de baile que estava sendo limpo. Conversou com o pessoal da limpeza, ofereceram café, um pedaço de bolo de cenoura que ele saboreou e adquiriu mais energia para seguir em frente. Ofereceram para chamar um táxi, ele recusou e disse que seguiria a pé. Precisava andar, precisava, caminhar e sentir o sol da manhã queimar a sua pele, foi o que fez.

A estrada pavimentada com produtos superfaturado e de má qualidade, apresentava alguns problemas e diversos buracos que acabavam com os pneus dos carros e exigia mais atenção dos motoristas, eram as panelas da rodovia. Esses buracos eram os responsáveis por problemas nos pneus dos carros e acidentes, principalmente capotagens, quando o motorista percebe que há um buraco a frente e tenta desviar. O movimento era pequeno, numa manhã de domingo ensolarada, certamente a maioria estava acordando neste horário. Caminhando lentamente e tomando cuidado para ficar bem na lateral da pista, já que não tem acostamento e é isso que torna a rodovia perigosa, Alcino vai saboreando o calor do sol em seu rosto e o efeito da mudança de temperatura que causava em todo seu corpo. Era uma sensação de liberdade e de pressão ao mesmo tempo, saboreava uma sensação de leveza e também de perigo, pois tinha que tomar cuidado a cada barulho de motor que percebia vindo de trás. Alguns buracos estavam localizados no caminho dos pneus dos carros, forçando-os a fazerem uma manobra brusca. Foi que numa dessas arquiteturas da vida, um carro utilitário pequeno, um modelo saveiro, não muito novo, com uma carroceria aberta, ao desviar do buraco na pista, avançou pelo pequeno, quase mínimo espaço entre a pintura da margem da pista e o mato que crescia no espaço que deveria estar limpo para o acostamento. Acertou Alcino de cheio nas pernas, que seu corpo fora jogado para trás e caiu quase sem vida na carroceria do carro. O motorista, sentiu um baque, mas pensou que foi devido ao pneu cair no buraco. Deu uma freada e, sem sair do local, procurou pelo retrovisor e a sua frente se teria batido em algo, não viu e seguiu viagem até sua casa.

Tem um filósofo que diz que o mundo é um ciclo, tudo que acontece com a gente torna a acontecer, confuso não é, mas também tem outro que diz que em nossa vida tem certas coincidências que a gente não entende e uma delas foi neste acidente.

O motorista era o Artur Lira, o mesmo que matou o pai de Alcino e agora acabara de atropelar e matar o filho. Foi um acidente, disseram os incautos, mas o descuido foi do motorista, pois ele sabia que ali tinha alguns buracos na pista, tinha que tomar cuidado.

Chegando em casa, Artur estacionou na calçada, e foi descarregar um cacho de bananas que tinha trazido da fazenda, a mesma que comprou de Paulo Moraes e pagou somente um terço do que havia combinado, a fazenda foi a mola inicial que terminou na morte do vendedor. Artur se assustou quando viu um homem deitado na carroceria, ficou se perguntando como aquele ser tinha caído ali, certamente fora o que ele atropelou na rodovia. Chamou o filho mais novo, que era estudante de medicina na capital e estava de férias em casa. O filho ficou assustado com aquilo observou bem o rapaz que estava caído e com uma cara de tristeza e espanto, informou ao pai que ele ainda estava vivo, mas pelas costelas e coluna quebrada bem próximo do pescoço ele não iria sobreviver. Enquanto o pai desesperado explicava o ocorrido, o filho olhava atentamente na frente o carro e encontrou vestígios de sangue no para-choque dianteiro do carro, e disse que era melhor dar um fim no carro. Ficou decidido que deixaria o corpo no pronto socorro e levaria o carro até a rodovia e colocaria fogo, assim seria difícil numa investigação descobrirem. Ficou acertado entre pai e filho que este levaria o corpo até o pronto socorro e depois levaria o carro até próximo a fazenda para queimar. O pai iria atrás para trazer o filho de volta.

Fizeram isso, o filho passou no pronto socorro, deixou o corpo e seguiu para a rodovia e na estrada virou para a esquerda em direção a cidade de Carlinda, quando terminou o asfalto no encontro da Rodovia 320 com a Rodovia 208, ele que seguiria pela Rodovia 208 de terra ao sair do asfalto o carro capotou, o pai que vinda a uns 3 quilômetros atrás parou desesperado, foi quando o pai viu labaredas, o carro estava queimando.

O filho Artur Lira Junior, o Juninho acabara de morrer sufocado, o pai tentou tirar o corpo, mas as labaredas atingiram o galão de gasolina que estava ao lado do motorista, galão este que seria usada para queimar o carro e livrar o pai de mais um processo na justiça. Artur cometeu um crime, um erro, diriam seus advogados, mas esse erro acabou vitimando seu filho, futuro médico da família.

Alguns dias depois do ocorrido, o atropelador, assassino do amigo e culpado indiretamente da morte de seu filho, aquele que seria o orgulho da família, seria o médico que Artur desfilaria com ele pela cidade mostrando que venceu, mostrar a sociedade que vale a pena lutar, vale a pena buscar ganhar sempre, que os fins justificam seus erros no meio, soube que o rapaz que ele atropelou e morreu depois no hospital era filho do homem que ele assassinou. Apesar de sua frieza em matar ele se comoveu com a morte do rapaz e com a mãe que acabara perdendo o marido e os dois filhos.

Ele foi conversar com ela, mas para a mãe ele era o assassino do marido, e não o recebeu para um cafezinho, não havia clima para isso. Dona Beatriz Moraes, era forte, delicada, mas quando lhe convinha era dura e sabia responder a altura principalmente ao homem que desfez sua família matando seu marido.

Depois de algum tempo, não muito, Dona Beatriz foi para o interior de São Paulo, foi morar com a irmã também viúva. Seus sonhos, seus projetos com filhos, noras e netos acabaram, ela ficou triste, entrou em depressão e, amparada pelas amigas e amigos resolver desfazer de todos os bens e ir embora. Foi assim que fez.

Artur Lira, depois da morte trágica do filho caçula, ele tinha uma filha mais velha que estava casada com um pequeno empresário da cidade, mas o Juninho seria sua aposta para ter um filho médico e a morte o levou por um descuido seu. Teve que contar a história do corpo na carroçaria para a mulher, que o responsabilizou pela morte do filho, o abandonou. Depois disso, Artur Lira nunca mais acertou um bom projeto. Hoje é empregado de seu genro que já o ameaçou despedir por ele chegar atrasado e embriagado no serviço.

Leandro deu uma espreguiçada, levantou foi ao banheiro e no retorno pegou mais uma cerveja.

— Como você sabe de detalhes dessa história, até parece que ou conhece muito bem todos ou participou. Perguntou Dora, que estava ainda surpresa e emocionada com o fato.

— Bem, vocês sabem, sou quieto falo pouco mas ouço e muito. Fui juntando uma informação daqui e outra dali consegui montar a história toda.

Dona Lurdes disse que conhece o Artur Lira, sabia que ele tinha perdido um filho, mas não lembrava do assassinato do Paulo Moraes e sabia onde o Artur trabalha.

— Na Loja São José, fica na Avenida, próximo a Câmara de Vereadores —, respondeu Leandro.

— Então o Alcino, de certa forma foi vingado? — Perguntou Dora.

— Claro que não. Ele queria ver o Artur Lira preso pagando na justiça o que ele fez e não solto trabalhando. E depois não houve vingança e nem justiça. Se o Artur tivesse pelo menos um pouco de sensibilidade tinha falado para a polícia que ele atropelou e matou o Alcino.

— Mas foi um acidente — falou Dora que queria saber mais do final da história — Ele não poderia saber que o cara estava lá na frente e nem percebeu que o sujeito voou por cima do carro e foi parar na carroceria.

— Mas se ele tivesse falado para a polícia eles teriam resolvido o caso. A história termina aí, até porque está parando de chover e poderemos irmos para nossas casas.

Comentários

Muito trágico esse conto, mas é bom!

Enoque Gabriel | 08/09/2022 ás 22:46 Responder Comentários

Belo conto, parabéns!

Edson Bento da silva | 09/09/2022 ás 10:35 Responder Comentários
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