O mito do "amor materno": uma construção social a serviço do machismo.
Pensamentos | Carlos Roberto RibeiroPublicado em 11 de Maio de 2025 ás 20h 30min
A noção de que o amor materno é incondicional, natural e instintivo constitui um dos mitos mais profundamente arraigados na sociedade ocidental. Contudo, esse tipo de amor não pode ser reduzido a uma essência biológica. Trata-se, na verdade, de uma construção social historicamente articulada para reforçar estruturas patriarcais. A maternidade idealizada impõe à mulher a obrigação de dedicar-se integralmente aos filhos, muitas vezes à custa de sua individualidade, desejos e autonomia — tudo isso sob o véu de um afeto considerado sagrado.
Ao longo do tempo, as sociedades patriarcais atribuíram às mulheres a função quase exclusiva do cuidado, atribuindo ao papel materno a incumbência de amar, proteger, educar e, sobretudo, sacrificar-se. Essa romantização do amor materno oculta o fato de que a maternidade, longe de ser um instinto puro, é uma função social que se constrói a partir de valores culturais, morais e econômicos. Essa construção sustenta a desigualdade de gênero tanto na esfera do trabalho quanto nos vínculos afetivos.
A exigência de um amor materno irrestrito é uma das formas mais sofisticadas de controle sobre as mulheres. Espera-se que as mães tolerem abusos, suportem o abandono, abdiquem de si mesmas e administrem sozinhas o peso da responsabilidade familiar — tudo isso como prova de seu valor e de sua virtude. As mulheres que não se encaixam nesse molde idealizado são frequentemente julgadas, desqualificadas e até desumanizadas. Assim, o que se vende como amor é, por vezes, uma imposição silenciosa de opressão e silenciamento.
Valorizar as mães não significa reforçar esse mito, mas reconhecer que muitas mulheres exercem a maternidade sob intensa pressão, marcadas por sentimentos de culpa, sobrecarga e solidão — e ainda assim persistem e resistem. É urgente desidealizar a maternidade e reivindicar uma concepção de amor materno que seja construída com base na escolha, na liberdade e no respeito à subjetividade feminina, e não na repetição acrítica de papéis impostos pelo machismo estrutural.