O DIA QUE O JARGÃO DERRUBOU A CANDIDATA E ELA NÃO PERCEBEU

Crônicas | Valcastilho
Publicado em 20 de Outubro de 2024 ás 15h 01min

Que campanha política em cidade pequena é um circo democrático de horrores, não se tem a menor dúvida, rincões afora, Brasil adentro. No entanto, a campanha política para eleição de prefeito em minha cidade, fugiu a normalidade pela clara exposição de como funciona as regras do patriarcado, até mesmo, para mulheres que ousam bradar aos quatro ventos que são conservadoras, defensoras do jargão resgatado do baú do fascismo brasileiro, ops! Integralismo.

Defensora de “Deus, Pátria e Família", já na pré-campanha, a candidata mostrava a que vinha, desfilando pela cidade, a tiracolo com o ex-presidente da República, aquele que considera que o nascimento de filhas mulheres acontece devido a uma "fraquejada” do varão no ato da concepção.  Seus correligionários não tinham dúvida, que a candidata tinha massacrado o atual prefeito, que, logico, concorreria com ela no pleito que se aproximava, principalmente, depois, de bem ao estilo extremista dos envolvidos, os seguranças do ex-presidente terem tirado de forma humilhante o velho prefeito e sua jovem senhora da caminhonete, que serviria de vitrine para ambos desfilarem em carro aberto pela cidade.  Diga-se, sem nenhuma preocupação ética, quanto ao fato do senhor em questão estar inelegível para cargos públicos em decorrência de condenação por abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação e conduta vedada às autoridades nas eleições.

Dado início ao período eleitoral, teve de tudo, de polícia federal invadindo o comitê de reeleição do prefeito, sob a alegação de possível existência de falsidade ideológica e abuso de poder econômico durante a campanha eleitoral; a confraternização com o ex-deputado federal Deltan Dallagnol, igualmente com problema eleitoral, após ser cassado de forma unanime pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pela prática de "fraude" contra a Lei da Ficha Limpa ao pedir exoneração do Ministério Público Federal (MPF) 11 meses antes das eleições, enquanto enfrentava processos internos que poderiam levar à sua demissão — e, em consequência, à sua inelegibilidade.

Observa-se que no presente texto, não se tem a pretensão de tecer comentários sobre a ética-moral de ambos os candidatos, cujos relatos acima falam por si, sem a necessidade de mais delongas. O foco aqui é demonstrar como a candidata foi vítima de suas próprias convicções, senão veja:

Na última semana de campanha, a assessoria da candidata, foram atrás de uma velha história, sobre um suposto assédio sexual praticado pelo candidato a reeleição, a qual narra que ele teria praticado contra duas irmãs, filhas de um funcionário de uma de suas fazendas, localizada num município vizinho, o vídeo viralizado, traz a figura de uma mulher parda, contando uma série de “supostos”, abusos sexuais contra ela e sua irmã que, inclusive, teria resultado na gravidez de uma menina, a qual, no vídeo em questão, aparece em áudio ameando a tia que, caso, o vídeo prejudicasse a candidatura do velho prefeito, agora, abusador, a narradora do vídeo em questão, sofreria sérias consequências.  Se a candidata conhecesse a história da trajetória feminina no Brasil, ou tivesse lido as obras de Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, ou Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre, saberia que nenhum vídeo, onde uma mulher narre ter sido vítima de abuso sexual, por um dono de fazenda, teria o condão de causar repulsa moral, a ponto de fazer um político tradicional conservador perder uma eleição local.   

 A história da formação do povo brasileiro, tem por base o estupro reiterado de mulheres brancas ofertadas em casamento com o sem o seu consentimento, para o filho de algum fazendeiro vizinho, com as benção da igreja, de mulheres pretas escravizadas para satisfazer a lascívia de seu senhor, de mulheres pardas livres ou libertas, geradas a partir da violência sexual sofrida por suas mães, obrigadas a se prostituírem para manter suas subsistências.

Um país que, até a reforma do Código Penal em 2009, tipificava o crime de estupro, um crime contra os costumes e não contra a pessoa. Assim, quando uma mulher era violentada sexualmente, o objeto jurídico de proteção era a família e a sociedade, e não a mulher. Indo mais longe ainda, no descortinar da realidade, precisamos lembrar ou levar ao conhecimento das incautas, incluindo, a própria candidata em questão, que o Código Civil até o ano de 2003, permitia o perdão da pena pela prática da crime de estupro, com o casamento do agressor com a mulher violentada.

O desconhecimento histórico sobre como o Brasil enxerga suas mulheres levou a candidata e sua assessoria a um grande erro de análise política. Acreditar que um vídeo de uma mulher parda, pobre, “supostamente” abusada sexualmente, por um grande fazendeiro, criaria empatia, comoção social e alteraria a intenção de voto do eleitor. Ledo engano, o brasileiro médio não entende como crime qualquer tipo de sujeição física, moral ou financeira praticada por um homem, sobretudo, se branco, contra o corpo feminino, ainda mais, se esse corpo for preto ou pardo e estiver sob o jugo da prestação de serviço pago ou escravizado.

De outra banda, em resposta à acusação de ser um abusador em “tese”, simplesmente, o prefeito candidato gravou um vídeo com o pai da candidata, onde esse tece elogios à atual gestão do prefeito, bem como, em alto e bom-tom, declara seu voto ao atual prefeito.

A atitude do pai da candidata, para qualquer cidadão médio, é vista como uma clara traição à filha, todavia, sob a ótica da extrema-direita, não é bem assim. É preciso entender que, para as pessoas que professam o jargão “Deus, Pátria e Família”, Deus é masculino e dominante, a pátria é masculina e dominante, portanto, por consequência, quem domina e determina o certo ou errado na família é o genitor. Assim, quando surge o pai da candidata declarando o seu voto no oponente da candidata, é óbvio que a candidata sofreria um abalo eleitoral.

Nas redes sociais, foi fácil ver o impacto, com freses do tipo: “se nem o pai vota, por que eu deveria votar?”. A mulher que escolhe a extrema-direita para militar politicamente, tem que ter em mente, que a palavra do homem é dominante e não importa para nada que ele tenha um caráter duvidoso, não importa, dentro da ótica “Deus, Pátria e Família, a fala, os interesses e a capacidade intelectual e mesmo executiva da mulher sempre estará em segundo plano, creio que a candidata descobriu como funciona o patriarcado da forma mais dolorosa possível.

 

 

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