O DESAMOR

Poemas | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMES
Publicado em 03 de Novembro de 2025 ás 10h 59min

DESAMOR

CARLOS OMAR VILELA GOMES

 

 

O desamor se derramou em meu olhar...

Gota a gota, afogou o que era belo

E eu finei na torre alta de um castelo

Que, sem base, foi criado pra afundar.

 

Eu me vi, já sem crença nem altar,

Praguejando mil lamúrias para Deus...

Se é tão forte, porque não cuidou dos meus?

Se é tão grande, me dê fé pra acreditar!

 

O desamor inundou silêncios

Que gritavam tanto...

Contracanto de uma voz

Que murmurou meu nome...

Me fez pó no corredor

Campeando os arrabaldes...

A seguir uma esperança

Que morreu de fome!

 

Lá me fui...

Cada passo era um espinho

Cutucando a alma nessa estrada...

Logo atrás, a miséria escancarada,

Logo à frente a incerteza dos caminhos.

Me acheguei, me arranchei, chorei baixinho,

Fiz faxina, capinei, catei papel...

Girando nesse estranho carrossel

Que os homens batizaram de destino.

 

Olhava meu marido, cabisbaixo

Tenteando qualquer bico, qualquer changa...

Um taura se perdendo por borracho,

Um livre se sentindo um boi de canga.

 

Meu filho, que largou o seu petiço,

Ganhou nesse caminho choro e medo...

Chinelo vagabundo entre seus dedos,

Um pária, sem saber o que era isso.

Na infância, a cidade deu sumiço,

Dos planos, a miséria fez retalhos...

Enquanto eu me estropiava no trabalho,

A sina lhe mostrou a dor e o vício.

 

O desamor chegou, com outra cara,

Regado de violência e de fumaça...

Entre armas das mãos que desamparam

Beijou-lhe com sua boca de desgraça!

 

Na pedra colocada num cachimbo

Perdeu-se minha razão do amor materno...

E quem há tempos freqüentava o limbo,

Caiu no poço ácido do inferno.

 

Eu suei muito, doutor,

Pra ter arroz e feijão...

Um rádio clareando as noites

E tantos calos nas mãos;

Na sina medonha e lerda

Até o rádio ficou mudo...

Pois meu filho vendeu tudo

Para comprar outra pedra.

 

Eu chorei muito, doutor,

Até o choro que eu não tinha...

Conversei, aconselhei

Sobre essa praga mesquinha.

Falei do bem e do mal...

De um mundo que afia os dentes

E o que torna diferente

O homem de um animal.

 

Eu morri, ressuscitei,

Buscando forças, nem sei...

Pra lhe mostrar seu valor;

Xinguei, bati, apanhei,

Um dia o acorrentei...

Ah, quantas chagas sangrei

Nas garras do desamor!!

 

Mas ele sempre fugia...

Ganhava a rua, mentia,

Assim se foi mês a mês...

Quem corria cancha reta

Hoje rouba bicicleta

Para fumar outra vez!

 

Então, de novo o destino,

De novo a droga covarde,

Extraviou meu menino

Pra o desconsolo das grades.

 

Antes a míngua do campo

Que ver meu sonho sumindo...

Antes morresse parindo

Que ver meu filho assim;

Alma e corpo ressequidos,

Seguindo o rumo dos maulas...

Um bicho dentro da jaula

Olhando triste pra mim.

 

Onde eu errei seu doutor?

Talvez por ser preta e pobre?

Talvez por campear os cobres

Num mundo corcoveador?

Onde eu errei seu doutor?

Onde eu encontro a saída?

Existe um resto de vida

Na tumba do desamor?

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