O CORAJOSO
Poemas | Antologia Clube da Poesia e Declamação Gaúcha | CARLOS OMAR VILLELA GOMESPublicado em 03 de Novembro de 2025 ás 13h 15min
O CORAJOSO
CARLOS OMAR VILLELA GOMES
Voluntário! -falou. Não disse o nome,
Mas não foi esse o apelido que ficou...
Os nervos de aço, os braços de tarumã,
Grandes olhos negros feito a própria guerra
E uma compulsão indescritível pelo incerto,
Pois incerta é a cruz de um Voluntário.
Voluntário! Foi o que disse na tarde derradeira...
Um piquete, um coronel, um ideal,
O lenço rubro a incendiar no peito
E o fio da espada a prenunciar o mal.
Na soleira um beijo na prenda
E um abraço em cada um dos filhos...
A vida é assim, pensou, existem coisas
que um macho deve encarar de frente...
Então deixou seu rancho, sua gente
E partiu, seguindo cego o coronel.
A marcha já durava mais de um mês,
Seguindo firme a desenhar estradas;
Arroios, banhadais, minuano, geada
E um que outro tilintar de aço.
O julho cortava firme com sua lâmina de frio
E mais fria ainda ficaria aquela tarde,
Pois na beirada de um capão antigo
Uma tocaia lhes tomou a vez.
A saraivada de chumbo fez morada
Na tez morena dos de lenço rubro...
Dali a pouco o aço, a cavalhada
E uma carga, descendo o coxilhão.
O coronel, cavalo morto, resistia
Honrando o sangue corrente em suas veias,
Mas a tocaia é uma imensa teia
Que enreda até o mais valente ser.
Seis para um era a conta da peleia,
Conta brutal que o resultado é a morte...
Mas, de a cavalo, “inda” brigava um forte,
Fazendo carga contra o fogo algoz.
Era ele sim, o Voluntário...
Aquele que deixou sua família
Pra se embretar no ventre da guerrilha
Atrás de um sonho que julgava seu.
Meio de susto avistou o líder
Já acuado, quase sem defesa,
Enquanto a corja afiava as presas
Pra o banquete do festim mortal.
De repente um grito, um turbilhão,
Ecoando no lugar feito um trovão
De um tempo feio que tomasse o céu...
O fio da espada se tornou arado
Lavrando a carne desses seis covardes
Que se perderam, sem achar quartel;
E então, num galope alucinado
Disparou pelo lançante o Voluntário
Levando na garupa o coronel.
Herói de guerra se fez o Voluntário
E em outras tantas batalhas se esmerou...
Uma esquiva, a dor de um golpe seco
E outro corpo que se ia ao chão.
Corajoso, lhe chamavam os parceiros,
Corajoso, sim, pela bravura
De fazer brilhar por essa história escura
O sol maduro da honradez e de valor.
Numa outra tocaia traiçoeira
Prisioneiro caiu, foi resgatado
Por outro índio de igual tutano
Antes que a “criolla” lhe mostrasse a cor.
Muitas lutas travou o Corajoso,
Por tantas cargas, machucando o pasto...
Mesma firmeza no semblante gasto,
Mas já cansado de viver assim;
Até que um dia a rosa pálida da paz
Desabrochou nas agruras desta terra,
E a rapinagem... o furor da guerra
Nesse momento se achegou ao fim.
Então, se foi o Corajoso rumo ao rancho,
Buscando o alento e a fé da sua “flor”...
“De que tamanho já estarão os filhos?”
“Será que o campo continua verde?”
Tantas perguntas de quem tem saudade
E não se aguenta para poder voltar.
Queria um mate, uma prosa, uma ternura
E os olhos mansos da mulher amada...
Queria tudo o que perdeu na estrada;
Queria a chance de achar guarida;
Chegou então o Corajoso ao pago...
Encontrou o rancho abandonado
E quatro cruzes repousando ao lado,
Braços abertos como em despedida...
E então, percebeu o Voluntário
Que este foi o saldo do inventário
Dessa coragem que mostrou na vida!