Encheu os armários da minúscula quitinete com latas de comida. Tingiu as vidraças de preto. Apagou as redes sociais. Jogou fora o computador, o televisor, o rádio e o relógio. Tirou suas roupas e olhou pela última vez a paisagem de concreto e de céu poluído. Fechou as janelas agora negras e se confinou no casulo de tijolos.

No começo até falava sozinho, mas o tempo passou e levou sua voz. Restaram os ruídos dos seus passos, da mastigação, de algum gemido seu e dos insetos que lhe faziam companhia. Naquele lugar tão pequeno, finalmente se sentia liberto, sem precisar dar satisfações, desculpas e atenção para aquelas pessoas que achava desinteressantes. Conseguia ser completo consigo mesmo. Lembrava da vida que tinha lá fora e até sonhava com ela, mas nada mais fazia falta. Nunca priorizou relacionamentos e a internet só servia como desculpa para não ver ninguém. Nunca teve amores e nenhum familiar que achasse valer a sua atenção. Acreditava ser apenas alguém para ser esquecido.

Assim seguia sua vida. Um náufrago isolado no meio de muita gente, vivente apenas para ele próprio e envelhecendo junto com as paredes daquele apartamento. Nunca será borboleta e continuará lagarta, nada mais que isso.

Um dia, na sua reclusão escolhida, sentiu uma companhia fria, mas que não conseguia enxergar e nem ouvir. Era a Morte que foi lhe buscar, porém, antes de levá-lo permitiu que rompesse o casulo e fosse ver o mundo que abandonara. Na luz do Sol que machucava seus olhos, a verdade se revelou. A humanidade acabou, e era ele o derradeiro humano na Terra. A descoberta de ser único o fez chorar e permitiu a sua lucidez retornar. Restou suplicar que a Santa Morte o levasse logo.

E terminou assim a história do último homem.