Naufrágio na Ilha das Paixões 

Contos | Carlos Roberto Ribeiro
Publicado em 20 de Fevereiro de 2024 ás 11h 46min

Você partiu....

Estou como um náufrago preso numa ilha e, a cada barulho, a cada movimento no céu, no mar, na praia, tenho a ilusão de que chegou alguém para me resgatar.

A noite chega e em meio ao medo da escuridão e dos perigos da mata adormeço, mas logo sou despertado com o delírio de que fui encontrado e chegou o fim do sofrimento, da solidão, do frio, da sede e da fome. Dia após dia desejando que seja o último desta intensa agonia onde parte de mim luta para se adaptar a este ambiente inóspito e outra parte se sente presa a um vazio existencial.

Você é meu resgate, meu bote salva-vidas, mas parece que as águas agitadas não deixam você chegar às margens, então começo quase que entrar em desespero.

Volta amor, vem pra mim, me salva com seu abraço, me ressuscita com seus beijos.

Eu continuo amando você, mas, como em um curta metragem, a vida está passando e você presa às convenções sociais. O filme está acabando, os créditos estão subindo, nosso amor que era lindo e parecia imortal virou um curta metragem e depois foi reduzido a um simples comercial.

Você chegou!

Por que pergunta se eu lembro de você? Minha resposta é não. Para lembrar de você eu teria que, ao menos por um instante, tê-la esquecido. Não posso lembrar de quem não consigo esquecer por um milésimo de segundo, sequer.

Havia grandes chances de eu não sobreviver nestas condições tão desfavoráveis, mas o motivo maior foi que senti muitas saudades de você. Senti saudades de nós. Percebi minha ausência na sua ausência. Percebi que quando você não está aqui comigo eu também não estou, então fico sem nós dois.

Agora vem pra mim, fica assim. Vem com tudo, vamos fundo. Vem faminta, vem com raiva. Vem com calma, vem com alma. Vem armada, me desarma. Minha amada, baixa a guarda. Fica louca, tira a roupa. Me aquece, me enlouquece. Seja amiga, me abriga. Vem comigo. Vem...

O tempo passou e eu não procuro em você aquela jovem sensual. Como eu esperava, você está diferente, marcada pelo tempo, pelas experiências. Eu também mudei, não sou mais aquele jovem, também trago as marcas da vida.

Sabe amor, as pessoas dizem que não devemos mexer nas feridas do passado, mas nós decidimos abri-las e remover os tecidos desvitalizados. Por isso está doendo, mas temos vida. Este processo está sendo doloroso porque estamos no caminho, sem atalhos. Não vamos conviver com a falsa sensação de bem-estar e corrermos o risco de chegar ao estágio em que só reste a amputação. Ainda estamos aqui, nossa vida não foi arrancada, nossa abertura está proporcionando a necessária assepsia, nos fará muito bem sentir a vida pulsar com o mesmo vigor de antes.

As imagens mudam o tempo todo... 

Agora vejo o brilho do sol, o agito do mar. O barulho das ondas, o brilho no olhar. Eu desejando você, você a me desejar. Quanto mais nos amamos, mais queremos amar.

O cenário é de rara beleza, tendo a praia e o mar como palco para uma espetacular performance. Acima sol e nuvens ilustram o cenário, o sol com seu brilho que dispensa a luz das câmeras e potencializa a ação rasgando o céu entre nuvens proporcionando o efeito de holofotes, a nuvem com o frescor de sua sombra ameniza os efeitos dos raios solares controlando a densidade da luz. Ambos proporcionam um lindo contraste de cores num show de luzes que nenhum engenheiro eletrônico é capaz de produzir. Neste cenário energizado eu contraceno com você. 

Redenção...

Nossa relação era segura como navegar em um enorme transatlântico, mas com pressa de chegar ao destino e aproveitar ao máximo o que me era oferecido, me transferi para uma pequena embarcação que parecia mais rápida por sua leveza. Em meio às turbulentas águas é que percebi que a embarcação estava furada e não havia sequer um colete salva-vidas. 

Amor, prometo que se sair dessa não entrarei mais em barco furado.

Se bem que... 

Eu já fiz esta promessa anteriormente.


 

Livro: A Poesia Pode Ser Livre

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