Na Parada no "Boi": A Saudade Presente e a Felicidade Perdida.

Contos | Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas. | Silvia Dos Santos Alves
Publicado em 12 de Maio de 2025 ás 21h 51min

O asfalto quente cantava sob os pneus do carro, anunciando mais uma de nossas viagens daquela cidadezinha. E então, como um ritual sagrado, vinha o anúncio silencioso: a placa rústica, quase apagada pelo tempo, indicando " o Boi". Ah, mamãe, papai... aquele era o nosso oásis particular, o nosso ponto de parada obrigatório.

Lembro-me da ansiedade gostosa que sentíamos ao avistar a silhueta imponente daquela árvore majestosa, seus galhos largos e frondosos nos convidando para um descanso abençoado. Mal estacionávamos o carro, e já sentíamos a brisa fresca nos acolher, um alívio delicioso do calor da estrada. A sombra generosa daquela árvore era um manto protetor, um refúgio de paz onde o tempo parecia desacelerar.

Ali, naquele pedacinho de paraíso à beira da estrada, montávamos nosso pequeno piquenique improvisado. O aroma do café quente, recém-saído da garrafa térmica, se misturava ao cheiro dos lanches preparados com tanto carinho. Nossas conversas fluíam leves, embaladas pelo murmúrio suave do vento nas folhas. Eram momentos simples, mamãe, papai, mas carregados de uma felicidade genuína, daquela que reside na presença um do outro, na cumplicidade dos sorrisos trocados.

Papai sempre contava suas histórias com aquele jeito único, a voz grave misturada às suas risadas contagiantes. Você, mamãe, o observava com um brilho nos olhos, complementando suas narrativas com detalhes e carinho. E eu ali, no meio de vocês dois, absorvendo cada palavra, cada gesto, sentindo-me a pessoa mais sortuda do mundo por ter vocês ao meu lado.

"Mas então, de repente, como um raio em céu azul, papai partiu, e não demorou para mamãe seguir o mesmo caminho." O chão se abriu sob meus pés, e o mundo perdeu um pouco da sua cor. Hoje, a estrada me leva novamente por aquele caminho, e inevitavelmente, meus olhos buscam a familiar silhueta daquela árvore. Paro "No Boi", como sempre fizemos. Desligo o carro, o silêncio invade o espaço, um silêncio diferente, carregado de uma ausência que grita.

Sento-me sob a sombra da mesma árvore, o vento ainda sopra, mas não tem o mesmo frescor, a mesma alegria. O aroma do café que trago comigo agora tem um gosto amargo de saudade. As lembranças daquelas paradas perfeitas invadem minha mente, como flashes de um filme antigo. Vejo nossos sorrisos, ouço nossas vozes, sinto a presença calorosa de vocês dois.

Mas a felicidade daquele tempo se esvaiu com a partida de papai. Aquele ponto de encontro, que antes era sinônimo de alegria e união, hoje é um lembrete constante da perda. A sombra da árvore parece mais densa, o vento mais melancólico. Paro "No Boi", sim, mas não é mais como antes. Aquele pedacinho de paraíso guarda agora a doce e dolorosa memória de um tempo que não volta mais, de um elo que a saudade teima em manter vivo, mas incompleto. "Ah, papai... como faz falta a sua voz ecoando sob essa árvore... E mamãe, seu olhar doce, seu toque gentil—como eu queria que vocês ainda estivessem aqui, compartilhando este momento, preenchendo este silêncio que agora pesa tanto."

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

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