Meu pé de laranja

Contos | Neiva Guarienti Pagno
Publicado em 16 de Setembro de 2022 ás 22h 39min

Acho que todo adulto que viveu no campo quando criança guarda na memória e, principalmente, no coração, a lembrança de uma árvore. Eu, felizmente, tenho duas.

A primeira é a recordação de um pé de angico, que, na semana da árvore, ganhei na escola para plantar. Eu tinha uns sete anos de idade, a muda era meio grande, sofri um bocado carregando-a da escola até em casa.

Quando cheguei em casa, minha mãe disse que me ajudaria a plantar. Então escolhemos um lugar pertinho de casa, fizemos um buraco e colocamos a muda do angico lá dentro, porque ela já vinha com terra.

“É preciso regar e cuidar. Converse diariamente com ela, porque árvore tem sentimento”, disse minha mãe.

E assim fiz.

O angico foi crescendo, crescendo, crescendo. Nunca imaginei que ele ficaria tão grande. E ficou. Grande até demais que passou a bater seus belos galhos no telhado de casa, porque minha mãe e eu não calculamos a distância e plantamos o angico muito perto da calçada.

Então, um dia meu pai achou melhor cortá-lo. Fiquei imensamente triste com isso, mas não tinha outro jeito. As telhas poderiam quebrar com as balançadas dos galhos do meu pé de angico. Decisão tomada pelo pai não tinha volta: o angico foi cortado.

Saí de perto para não ver o angico morrer e, pior ainda, ver o pai cortar todos os seus galhos e o tronco para fazer lenha.

Passei um bom tempo escondida, chorando, longe de todo mundo.

Mas quando entrei em casa, minha mãe calmamente me deu um presente. Ela tinha feito uma muda nova do meu angico e já estava bem grandinha.

Que felicidade! Meu angico estava vivo e agora sim, minha mãe e eu decidimos plantá-lo num lugar seguro, onde ninguém mais precisaria cortá-lo e ele poderia crescer muito e ser feliz.

A segunda árvore foi ainda mais marcante. Um pé de laranja, que ficava no lote do vizinho, mas bem na divisa. Como era na divisa, não tinha dono. Ou melhor...todo mundo era dono! A vila inteira era dona daquela árvore, todo mundo vinha até ela para aproveitar a sua sombra, brincar em seus galhos e saborear os seus frutos.

E pensa num pé de laranja grande, imponente, verde e belo. Ele tinha uma copa GI GAN TES CA, muitos galhos e o mais maravilhoso é que na época de produzir laranjas ele produzia muita, muita, mas muita laranja mesmo que não tenho nem como descrever.

Eram laranjas enormes, laranjas de cor amarela, laranjas apetitosas... Mas tinha algo mais fantástico ainda, é que ele enchia de frutos duas vezes por ano. Aí era extraordinário demais!

Lembro que teve uma época em que decidimos fazer um balanço em seus galhos, para que nós pudéssemos nos divertir. Com certeza não há uma criança nesse mundo que não goste de um balanço.

Entretanto, o mais incrível disso (essa árvore realmente não era como as outras), o mais incrível disso é que fizemos QUA TRO balanços e não um só, porque ele era tão gigante, como eu disse, tão descomunal que fizemos quatro balanços em seus galhos e conseguíamos brincar em quatro pessoas ao mesmo tempo. Isso foi demais!

E assim o tempo passou. Aquele pé de laranja sempre lá, na divisa, admirável, belo, trazendo sempre alegria e frutos.

Mas um certo dia, o vizinho, o dono do lote onde ficava nosso pé de laranja, decidiu cortá-lo, porque a sombra da árvore não deixava o pasto crescer. Decisão tomada pelo vizinho não tinha volta: o pé de laranja foi cortado.

Naquele dia cortou-se também a alegria da gurizada, a sombra majestosa, os balanços divertidos, as brincadeiras de criança, a reunião dos meninos e das meninas da vila, os frutos deliciosos.

E já se foram muitos anos desde esse dia. Mas aprendi a olhar para trás e relembrar aquilo que foi bom e não o que foi ruim. Então percebi que ninguém corta as recordações, ninguém corta os sentimentos, ninguém corta as marcas boas da infância, que no papel registradas serão para sempre lembradas.

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