Mesa antiga conserva o cheiro de domingo

pão cortado espalha migalhas de lembrança

cheiro de café desperta retratos guardados

vozes de antes voltam pela janela aberta

mãos que servem também ofertam carinho

o afeto se mistura à farinha e ao riso

cada prato uma história contada em silêncio

há doçura no gesto simples de repartir o que se tem

olhares trocados sustentam o sabor da presença

infância dorme no canto da cozinha

onde o tempo aprendia a ferver em panela de barro

as cadeiras rangem como se chamassem o passado

a colher marca o ritmo do coração em fervura lenta

nada era luxo, tudo era festa discreta

entre o sal e o açúcar mora o segredo da ternura

quem tempera com amor conhece o dom da permanência

as receitas antigas falam língua de memória

cada prato servido era um abraço

a casa inteira respirava gratidão nas manhãs

até o silêncio tinha gosto de conversa boa

quem partilha o alimento entende o sentido da vida

o sabor do afeto é o tempero que o tempo não apaga

lembranças se misturam ao aroma de bolo quente

e o riso da alma sobe como fermento de alegria

o cheiro do forno anuncia que a saudade está viva

mãos enrugadas guardam segredos que o livro não ensina

cada refeição uma forma de eternizar gestos

porque amor também se cozinha em fogo brando

e o que fica na mesa é mais que alimento

é a prova de que viver é saborear o que se ama.