Era um momento memorável, o shopping mais elegante da cidade recebia para uma noite de autógrafos, o premiado escritor Diego Branco. Literato local, de habilidade especial para romances eróticos, autor de best-sellers voltados à literatura lasciva. A luxúria impressa em seus livros incitava o rompimento de tabus femininos e isso fazia dele, objeto de desejo no permeio feminino. Haviam centenas de leitoras eufóricas em um acontecimento extraordinário. Diego Branco emocionou-se ao ver a extensa fila de ávidas mulheres que se desdobrava pelos corredores do shopping. Os eventos que ele promovia tonavam-se sucesso e muito provavelmente este superará as expectativas para aquela noite. Após atender a imprensa, o literato entregou-se às fãs e o evento estendeu-se por horas a fio. O proprietário da livraria viu-se obrigado a consultar o diretor do shopping, que disponibilizou em última instância, uma pequena equipe de segurança para manter a ordem no recinto.

Aquele acontecimento, de certa forma, precedia uma tragédia pessoal para a vida de Diego, pois nem mesmo a leitora exaltada, determinada a dar-lhe uma profusa noite de prazer, seria capaz de afastar o fantasma que batera a sua porta.

Horas mais tarde, em plena madrugada, no seu pomposo apartamento seu algoz o visitara.

Em meio ao profundo prazer, sobre o jovem corpo de sua admiradora, testemunhou uma das piores dores de sua vida, a cefaleia fora tão devastadora que o fizera desmaiar ainda nos braços de sua amante, que se viu assustada com o brotar de sangue de suas narinas. Achou que, como uma viúva negra, o tivesse matado de amor. Pela manhã, acordava sozinho na suíte de um hospital conveniado a seu dispendioso plano de saúde. Recebia a visita de um médico que trazia consigo o resultado dos exames das últimas horas, nada satisfatórios, que iriam mudar por completo a sua vida. Fora-lhe mostrada algumas imagens referentes a exames realizados ali mesmo através de Ressonância Magnética, diagnosticados via telemedicina. O que realmente o deixou chocado foi a descoberta de alguns módulos em seu cérebro, o que, segundo o médico, resultou na violenta dor de cabeça e uma forte suspeita de neoplasia. Após os procedimentos legais, referentes a sua situação, recebeu alta e foi liberado, mas sua vida jamais seria a mesma.

Diego perdeu seu interesse pelas coisas mundanas.

Seu talento, os livros, as garotas (cheias de amor para dar) sua agenda lotada de compromissos, petições exaustivas de sua editora e sua suprema vaidade perderam o total valor. Ele não deu nem sequer uma conferida nas fotos tiradas com suas exaltadas fãs da memorável noite passada. Em seu coração, que agora parecia bloco de gelo, eclodiu uma tristeza profunda. Ele não tinha ideia de como prosseguir agora que estava na iminência daquela dor terrível, pior ainda, corria um sério risco de morte, visto que em situações como essa as pessoas normalmente entram em colapso psicológico por conta da situação. Ele estava pensativo, tomado pela vicissitude. Seu humor decaiu consideravelmente, a desilusão mascarou a sua face, ele estava realmente decepcionado. Compreendia então a gravidade de sua situação e isso havia tirado as perspectivas de sua vida, outrora próspera.

Estava realmente decepcionado com o rumo com que as coisas haviam tomado.

Agora que se encontrava totalmente desolado já era possível acreditar em uma catástrofe, coisa que antes jamais passara por sua cabeça. Diego é um indivíduo extremamente vaidoso, considerado o alfa entre seus familiares, pois toda a sua estirpe, com exceção dele, descende pessoas de cútis morena. Ele é o privilegiado que trouxe consigo as características cutâneas do pai, homem caucasiano, o que originou a alcunha: “Diego Branco”. Como pôde acontecer-lhe tamanha fatalidade, de que forma reverter essa situação? O médico que o atendeu fora enfático ao recomendar a quimioterapia como tratamento paliativo, sugestão que o causou náuseas. “Jamais, em hipótese alguma devo sujeitar-me a tamanha humilhação”, pensou.  À noite, ao invés da tradicional excursão noturna aos pub’s da cidade, trancou-se em sua vasta biblioteca em busca de respostas, “o tempo urge”, pensava sobressaltado, imerso em seu desespero. Consultou também a internet, bem como sites especializados em curas milagrosas que mantivessem a quimioterapia fora de questão.

Não estava disposto a ostentar em sua vida o argumento convidativo do fracasso.

Naquela madrugada febril, estava à busca de um milagre, e como resposta, chegou a um site que o impelia a pertencer ao grupo das pessoas mais saudáveis do planeta, sugerindo um tratamento fitoterápico, à base de ervas medicinais e alimentação voltada a macrobiótica. Diego absorveu aquela informação com a mesma gana com que sorvia o suco vaginal das suas submissas adolescentes, apaixonadas pelo seu trabalho. E não demorou mais que duas horas de pesquisa para ter sua profunda decepção, pois descobriu que o referido site, não passava de uma revista online e sensacionalista que fazia referência aos hábitos alimentares que qualquer indivíduo deveria ter para que pudesse desfrutar de uma saúde perfeita. Sem alternativas desabou em um choro inconsciente, pois estava sedado pela fadiga, a decepção e o imergente desespero. A realidade se mostrava mais assustadora que o pior de todos os seus pesadelos. Foi então que lembrou em sobressalto de um familiar distante, que possuía laços originalmente indígenas, e a partir desse lapso de raciocínio passou a sorrir alienadamente.

E no dia seguinte, por garantia, foi até o hospital em que havia recebido o terrível diagnóstico.

Conversou com uma pequena junta médica, e diante das imagens e análises sobre a situação houve o consenso de que não havia outra saída senão um tratamento extremo à base de medicamentos de alta prescrição, caso contrário suas chances seriam mínimas. Ele percebeu que alguns doutores haviam declarado de forma afetada a gravidade de sua situação, talvez pelo fato de terem em suas vidas, mulheres aficionadas por suas obras e que exaltavam seu nome espontaneamente, inclusive nos momentos de prazer. Essa seria uma das causas do despeito cultivado da estirpe masculina. Sentado sobre o banco de uma praça, contabilizava a situação em que estava metido. Não fazia sentido o excelso escritor Diego Branco sentir-se tão pequeno, talvez menor até que a maioria das pessoas que transitavam por ele naquela manhã ensolarada. Embora naturalmente insensível, ele sentia tudo naquele momento, inclusive medo, o temor de experimentar novamente aquela dor lancinante e desfalecer frente ao público. Isso seria muito mais humilhante que desmaiar sobre uma de suas tietes. Seria proferir a sua derrota como homem, profissional e ser humano. E isso, acima de todas as coisas, inclusive de sua venerada vaidade, seria sumariamente inaceitável.

Diego levantou-se de imediato, tomou postura ereta e refletiu os pontos de vista.

Chegou então a conclusão de que a solução não estaria na capital, onde ergueu o seu império dissoluto, e sim na área rural. (Ele despreza veementemente seus laços aborígines, de onde precede sua ascendência). Em todo o caso, teria de firmar a decisão, pois a condição atual dispensava seu orgulho. Via celular entrou novamente na internet, mais precisamente no site da Funai (Fundação Nacional do Índio) e tomou conhecimento de uma tribo indígena que existia na região oeste do estado e remanescia das antigas tribos guarani e que recebia de braços abertos os poucos visitantes que eventualmente os visitara. Um brilho de esperança brotou em seus olhos. Aquela seria a saída que ele buscava. O êxodo desesperado coexistia com o lampejo de entusiasmo que nutria sua debilitada arrogância. Diego correu ao apartamento decidido a abraçar a cura definitiva que se mostrava diante dele. Elementar seria, acima de tudo, continuar vivo. Achava que era merecedor da virtude de seus méritos e da vida espetacular que desfrutava. Em meio a todos os privilégios oferecidos, o prestígio e a fama que um homem com os seus talentos tinha direito. Seu bem-estar seria o bem supremo.

Pouco depois estava no interior de um táxi seguindo em direção ao aeroporto.

No decorrer de algumas horas seu destino será o oeste do estado de onde irá extrair a desejada cura. Diego achava que as reservas indígenas haviam perdido a essência de suas raízes e dessa forma, preferiu visitar uma tribo que resiste a qualquer imposição a sua cultura e, portanto, conservam seus costumes solenemente. Essa seria a resposta, uma aproximação com aquele povo antigo, abundo em sabedoria concernente à cultos sagrados, atribuídos a seus ancestrais. Não estava disposto a confiar seu corpo; a única prova de sua altiva existência, às mãos de cientistas, que como estriges, estavam sedentos por seu plasma. A bordo do avião fora informado que em poucas horas chegaria ao destino. Pouco depois abordava o oeste do estado em busca de guias que o levassem até a aldeia marcada em seu GPS. Horas mais tarde, já adentrava destemido na floresta, determinado a driblar o estorvo e o orgulho. Era necessário romper os laços de sua estimada vaidade para continuar a expedição e violar todas as suas virtudes em prol de um bem maior. A promessa da continuação de sua existência frente a literatura e o desabrolhar dos corações femininos o estimulavam em sua jornada.

Enfim, próximo ao crepúsculo, chegavam a referida aldeia.

Diego fora apresentado ao cacique pelos guias da região, que pernoitaram junto a ele em uma maloca, de certa forma confortável. Pela manhã os homens recebiam seu devido pagamento e se despediam de todos. Diego havia sido aceito na comunidade e desfrutava uma agradável hospitalidade. Naquela mesma manhã, em uma breve reunião com os anciãos da tribo, pôde informar o motivo de sua visita, a esperança que o acompanhava e o sincero respeito por aquele povo, bem como o prazer imensurável de estar ali. Os anciãos foram unânimes em ajudá-lo com seu problema e se propuseram e auxiliá-lo com o aprendizado indígena, pois acharam que ele iria precisar. Em meio aos nativos, sua aparência era de um relevo de cor em filme preto e branco. Logo, o chefe voltou-se para ele e o alcunhou de “Manu” que em tupi-guarani se referia a ”homem morto” dada a circunstância de sua chegada. Próximo ao horário do almoço, sob olhares curiosos dos demais membros da tribo, ele conheceu Ibá, uma jovem índia encantadora que o seduziu chamando-o de Porã, (bonito em seu idioma). Mais tarde ele aprendeu que Potira seria flor e que o nome dela; “Ibá” se refere a fruta saborosa. Não demorou para que provasse de sua “fruta saborosa” e desfrutasse seus encantos. Ele estava orgulhoso, pois para conquista-la, não houve a necessidade de apelar para o clichê erótico de suas cantadas.

Diego granjeou a simpatia de todos naquele ambiente.

 Desfrutou regalias que somente aos membros lhe é oferecida, e Ibá estava inserida a esse contexto. Aquela atmosfera peculiar o fascinava, pois tudo naquela tribo possuía referência ou ligação com elementos da natureza. Em meio às voltas com Ibá, que estava completamente apaixonada por aquele homem branco atraente, deu início ao seu tão esperado tratamento. Com algumas lágrimas rolando em seu rosto, Diego teve a cabeça totalmente raspada, pois dessa forma seria possível que as sanguessugas pudessem alimentar-se de seu sangue e consequentemente oferecer-lhe a cura. Ele ouvira rumores de que as tribos mais antigas adotavam a terapia com esses animais porque é dessa forma que conseguiam a solução para diversas doenças. Embora assustado com aquela situação inédita em sua vida, fora advertido por Ibá que aqueles animais ao sugar seu sangue, liberam na corrente sanguínea substancias analgésicas. O que fez com que ele ficasse mais tranquilo. Dando seguimento a seu tratamento, fora submetido a forte ingestão de ervas, raspas de caule, raízes e até excremento de animais, bem como chás extremamente amargos e ingestão de caça. Dieta que o rendeu fortes dores de barriga, diarreia, halitose, crises de flatulência, vômito e toda a sorte de efeitos colaterais desagradáveis. No entanto, todo aquele sacrifício valeria apena, pois sabia que estava em boas mãos.

O tratamento transcorreu ao longo de meses sob pesada terapêutica natural e rígida disciplina.

Agora sem qualquer incidência de dores ou crises, Diego se sentia renovado. Estava convicto de que todas as enzimas malignas de doenças haviam desaparecido. Era enfim um homem restaurado, estava pronto para realizar os exames médicos convencionais, seguro de sua condição extremamente saudável. Restava apenas despedir-se daquelas pessoas especiais, as quais devia sua vida e que possuem o epíteto de selvagens. Não antes de solicitar aos anciãos a permissão de levar consigo a formosa índia, o que fora concedido imediatamente, dado ao entusiasmo da garota. De volta à emergente civilização, dormiu uma noite confortável, como a meses não fazia, pois na aldeia, desfrutava apenas de uma cama rudimentar, constituída de palha, com exceção da companhia de Ibá e suas vestes diminutas. A mídia dera ênfase à sua ausência com bases nos relatos dos médicos, não poupando maledicência. Diego teve a satisfação em testemunhar os doutores boquiabertos com seu pronto restabelecimento, ele havia superado as expectativas médicas e aumentado em cem por cento sua estimativa de vida. Sentia-se pronto para retornar e iniciar uma nova história. Diego agora é um homem mais humilde, embora ostente sua inerente vaidade, carrega consigo as lembranças, que serão eternas, dos momentos vividos ao lado de seus ancestrais.  Ele não demorou para escrever a sua mais altiva obra prima. Uma fiel autobiografia dos momentos de desespero ao descobrir a doença, sua aventura na tribo e seu romance com a jovem formosa índia. Sua obra fora intitulada com a junção de seus nomes indígenas: Manu-Ibá.

Manu-Ibá foi um grande sucesso, superou consideravelmente seus romances anteriores.

Diego Branco havia restaurado totalmente seu talento para a arte literária. Desta feita, com a visão da vida totalmente estruturada e voltada a seu mais novo romance. Dera ênfase ao subjetivismo em um autobiográfico extremamente pessoal. Seu mais novo trabalho expunha a verdade sobre sua doença, seus medos, o desterro, a ascensão e a ardente paixão pela jovem e atraente indígena, que se tornara objeto de inveja feminino.

Era um momento memorável, o shopping mais elegante da cidade recebia para uma noite de autógrafos o emérito escritor Diego Branco, homem versado em literatura e atualmente especializado em romance subjetivo, autor do mais famoso best-seller nacional. Ele agora é uma pessoa exemplar, pois a luxúria já não mais governa sua vida. Diego Branco emocionou-se ao ver a extensa fila de pessoas que se desdobrava pelos corredores do shopping, onde haviam famílias inteiras dividindo espaço para homenageá-lo. Ele sorria vitorioso, pois havia se tornado Manu, aquele que suplantou a morte e elevou sua arte a uma conotação íntima. Um homem talentoso, capaz de erigir o nível de sua fama, saltando da mais pungente obscenidade para a esfera familiar. Restabelecendo seu império e de quebra, descobrindo a índia Ibá, mulher de sua vida. Hoje, sua verdadeira inspiração.

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