LÍRIOS E CRAVOS

Contos | Manoel R. Leite
Publicado em 06 de Março de 2022 ás 09h 30min

 

É estranho imaginar o quanto as flores são tão sensíveis e ao mesmo tempo fortes, além de eternamente significativas. Faz-se algum tempo perdi meu irmão em um acidente automobilístico. Nós éramos mais do que ligados, nós éramos gêmeos. Quando ele se foi senti uma parte de mim perdida, uma ausência sem fim e acredito que a sua ausência se alivia quando vou ao seu túmulo e converso sobre qualquer assunto, não ouço a sua voz, apenas sinto a sua presença e isso me conforta.

Em cada visita que eu fazia permanecia mais, acredito que não apenas o túmulo do meu irmão me confortava, mas também o cemitério em si. Ficava a imaginar possíveis histórias, possíveis perdas, contudo sempre em silêncio, apenas a sentir o momento.

Certo dia uma senhora me chamou a atenção, em primeira vista não pela sua beleza e fisionomia que com o tempo impregnou-se em minha memória como o cheiro das flores que ela carregava. O que destacou em toda aquela cena foi as flores de lírio que ela carregava, brancas com detalhes amarelos. E, como se ela fosse continuação dos lírios as suas vestes davam-me a impressão de eu estar vendo um lírio segurando outro. Pois, ela usava um vestido branco om detalhes amarelos, tão complementar e assemelhar aos lírios que carregava.

Nada falei, apenas admirei e imaginei. Deixei o destino fazer o seu papel, sem nunca a perder em minha memória.

Em um acaso notei que além do lírio retirou da bolsa algo mais parecia um presente. Contudo, ela deixara cair suas chaves e nem percebera. Naquele dia parecia eufórica mais do que o habitual, calmamente peguei suas chaves e fui em seu encontro para entregar-lhe.

— Senhora! As suas chaves! A senhora deixou cair as suas chaves.

Parecia não ouvir. Parou diante de um carro branco e, enquanto mexia em sua bolsa a alcancei.

— A senhora deixou cair as suas chaves.

— Obrigada! Não percebi que havia perdido. Onde estavam?

— Do lado do túmulo que você sempre visita e traz lírios.

— Sempre traz lírios! Você tem me observado?

— Sim! Mas, não me entenda mau, eu sempre venho trazer cravos para o meu irmão.

— Entendo. Naquele túmulo está meu anjinho que hoje está de aniversário, e os lírios sempre me fazem lembrar dele.

— Meu nome é Carlos.

— O meu é Líris.

Hoje não somos mais lírios e cravos solitários, há dez anos estamos juntos e temos também rosas, violetas e girassóis em nosso buque.

Publicado em:

Leite, Manoel Rodrigues. Emoções Tatuadas. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2020

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