Lagartixa Descuidada

Contos | Paulo Santana
Publicado em 22 de Março de 2025 ás 08h 10min

1- A queda.

Havia em um pequeno bosque de uma cidade formosa, uma lagartixa tropical. Esse bosque era bonito, elegante e movimentado. Pois nele vivia a lagartixa da nossa história. Mas ela não era um lagarto comum, era bonita, saudável e muito elegante para um réptil. Do tamanho do dedo médio de uma pessoa, se movia com elegância, agilidade e uma rapidez própria dos reptilianos. Sua velocidade se compara ou supera a de um felino, pois era capaz de sumir da visão de alguém em fração de segundos. Suas mãozinhas eram bonitas, um pouco transparentes, devido à falta de pigmentação, mas formosas. Ela se movia de forma graciosa enquanto se esgueirava por entre as folhas e os galhos das árvores. Os dedos das lagartixas possuem uma estrutura que oferece incrível aderência e proporciona confiança para se locomover sobre qualquer tipo de superfície. Com muita destreza, disparava em uma velocidade assustadora. Ela jamais atravessava o pequeno caminho que separava sua árvore de uma distinta, pois temia ser molestada por outros animas, ao fato de ser um animal tão pequeno, embora ágil; indefeso. Certa vez, a nossa amiguinha, perseguindo um pequeno inseto, passou reto em uma curva acentuada de um galho e, por descuido, despencou. Sua queda a deixou tonta e, como era de se esperar, um pouco fraca, pois a altura a que caíra, era de certa forma, elevada. Mas o pequeno animal deu sorte, pois tombou sobre o colo de uma pessoa. Era um rapaz que estava ali, sentado, lendo um livro didático. A questão é que lagartixas e outros pequenos animas dos bosques, como esquilos, gafanhotos e etc. possuem temor aos bancos, porque seres humanos, que são enormes, fazem uso desses locais e poderiam com seu peso, machucar pequenas criaturas. Enquanto ainda se recuperava da tontura, devido ao choque, não conseguiu perceber que ali havia uma pessoa, o que é considerado o real motivo de todos os seus temores. Nenhuma lagartixa em sua sã consciência seria capaz de se relacionar com um humano, pois o contato poderia gerar infortúnio ao pequeno animal, uma vez que eles em sua maioria sejam hostis. Mas em potencial, predadores de lagartixas tendem a ser as cobras, aves de rapina e/ou, gatos domésticos; considerando que nossa amiguinha vive nesse bosque, habitado por pessoas e seus inconvenientes animais de estimação. Mas os serem humanos involuntariamente entendem que um animal tão minúsculo e indefeso, ofereça pouca ameaça. E a pequena lagartixa ali, em sua luta para livrar-se do incômodo e perigoso estado mórbido, fora surpreendida com migalhas de pão, colocadas bem próximo a seu focinho pontudo.

2- Uma abordagem amistosa

A nossa lagartixa enfim recuperou os sentidos, embora tivesse machucado a parte de baixo de seu delicado corpo, mas aquela dor não a incomodava mais do que a aflição por estar diante daquela estranha criatura, que possuía a forma convencional a um ser humano. Lagartixas não diferem um animal do outro, apenas a proporção, o tamanho ou a hostilidade de um ser é captado por seus sentidos. Lagartixas até podem ter algum tipo de raciocínio, mas não possuem a faculdade do discernimento, logo, sua consciência não objetivou estar diante de um predador em potencial, pois aquele humano não se mostrava ameaçador. Mas alguma coisa havia acontecido sem que ela percebesse, de alguma forma havia ali uma estranha relação, não que fosse proibida, mas intrigante e de certa forma convencional. Seria bem provável que aquele humano estivesse admirado ao ver aquele pequeno animal de compleição bonita bem diante de seus olhos, uma vez que as lagartixas se mantinham afastadas de qualquer pessoa. Porém, o que deixou nossa amiguinha surpresa, foi a reação passiva, amistosa daquele humano. Todavia, lagartixas eram vítimas de todo o tipo de ameaça no bosque, mas dos humanos havia somente o temor, pois, nenhum caso comprovou realmente qualquer tipo de conflito entre um ser humano e uma lagartixa. Ao menos naquele bosque, ou naquelas imediações não havia rumores sobre tal fato. Ela ainda se queixava das dores do impacto da queda, uma vez que caíra de uma altura inapropriada para uma lagartixa, que com sorte, foi em cima de uma superfície macia.

3- Nascia a confiança.

Enquanto o rapaz olhava admirado para aquele bonito animal, ela divisava seu rosto. Uma face atraente, jovem, de aparência amigável, e sem pensar, nutriu afeição por ele. Lógico que para uma lagartixa, esse não era um sentimento habitual, mas dadas as circunstancias, se ela ainda não sofrera nenhum dano, além das dores da queda, considerou que aquele humano seria confiável. A prova disso são os fragmentos de pão, colocados com cuidado próximo a sua boca, dando a entender que aquela pessoa tivesse a intenção em alimentá-la. O jovem tentava uma aproximação amistosa com a lagartixa, que para os conceitos de um animal exótico, lhe parecera um tanto atraente. O humano, esse rapaz que tentava se relacionar com nossa sobressaltada amiguinha, nada mais era que um bonito adolescente, estudante de uma faculdade próxima ao bosque e que, alheio ao modo de vida da lagartixa, usava esse assento, considerado isolado dos demais; para estudar, ou fazer uma agradável leitura. Nossa simpática amiguinha, no entanto, levava sua graciosa vida sem se importar com a dele, já que que esse tipo de relacionamento era oportuno à hostilidade, pois as lagartixas precedem o proceder humano. Consideram ameaçadora a abordagem das pessoas, uma vez que existem crianças, adultos e velhos rabugentos que trucidam qualquer animalzinho indefeso, passível de moléstia.

4- Feições delicadas.

Ainda ali, jogada sobre o colo acolhedor, diante do olhar curioso do rapaz, que se via encantado com aquele corpinho delicado, dobrado. Ele olhava com ternura para aqueles bracinhos finos e aquelas mãozinhas tão bonitinhas com dedinhos tão graciosos e muito bem definidos. Ficou a questionar-se o fato de haver pessoas capazes de fazer algum mal a um animal tão indefeso e encantador. Ela, a nossa descuidada amiguinha, estava ainda tomada pelo sobressalto, pois não tinha a certeza de como agir; corro, ou fico? Evidentemente haverá um preço a pagar por sua decisão, ela sabe que aquele momento é fortuito e exige cautela, pois nem ele ou ela esboçaram qualquer reação, talvez um ou o outro devessem estar ansiosos por suas próximas ações. A lagartixa olhava para ele com carinho, após esse pouco tempo que esteve ausente de sua sanidade, percebeu que se tivesse de acontecer algo ruim, o teria. Ele, um jovem, de certa forma dúbio quanto a razão, decidiu ser amistoso e observar o comportamento daquela criatura tão graciosa e pequena que caíra em seu colo. A princípio desejou tocá-la, mas havia a grande possibilidade de que a garbosa lagartixa se assustasse e irrompesse em fuga, logo, nunca mais a encontraria novamente. Seria mister mantê-la ali, dócil, embora assustada. Submissa, sob o olhar meigo de seu observador.

5- Um relacionamento divergente.

Embora seres de gêneros opostos, entre eles, não havia luxúria, sentiam-se apenas atraídos pelo exemplar bonito de suas espécies. Ela, uma jovem e cativa fêmea, ele, um adolescente gentil. A nossa lagartixa não possui um nome, e não é apropriado um nome a uma lagartixa, no entanto os humanos possuem um nome, o que não tem relevância no momento, pois ele, o rapaz de nossa história não necessita um nome, precisa continuar agindo agradavelmente cortês com nossa amiguinha e tudo estará bem. Ao lançar aquelas migalhas diante do focinho bicudo da lagartixa, ele tentava de alguma forma estabelecer um vínculo com o pequeno animal, através da gentileza em oferecer um alimento de forma generosa. Uma vez que a comida, em toda a cadeia alimentar, seja um recurso aliado ao instinto de sobrevivência. Mas ela estava alheia àquelas partículas de pão jogadas tão perto de seu sentido olfativo, pois as lagartixas o ignoram, elas não se alimentam de qualquer tipo de massa, não que estivessem preocupadas com a silhueta, os répteis em geral, têm um belo corpo esguio. O problema é que as migalhas não fomentaram sua curiosidade, tanto quanto o formato excêntrico daquele rapaz. Ora, é de fácil entendimento o interesse repentino de nossa lagartixa, pois assim como ele a apreciou a título de animal exótico, aos olhos grandes e sem pálpebras da obtusa lagartixa, a face amigável e bonita do rapaz, originou um sentimento bonito em seu minúsculo coração. Uma fascinação inquietante, próprio do ponto de vista de uma simples lagartixa. A atração que um humano exerce sobre um animal como os répteis, é efêmera, mas ao contrário, nossa amiguinha naquele momento ansiava estar ali, assentada ao seu colo, apreciando a afeição daquele olhar. A natureza é curiosa, pois ela promove a total integração de indivíduos completamente diferentes, e o amor faz o resto. A empatia os concedera o enlevo de seres em total sintonia, não havia mais medo, a afeição daquele humano lhe transmitia segurança. Ela agora, embora uma lagartixa, estava no lugar mais apropriado do universo.

6- Uma conveniente amizade.

Estática e quase em delírio, a desfrutar de um sentimento inédito até então, a nossa lagartixa não queria outra coisa, se não continuar ali, correndo o risco de sofrer um mal-entendido e ser arremessada longe, visto que era conveniente, pois ele estava no comando do submisso animal. Seu minúsculo corpo escamado, típico de uma lagartixa, continha listas de cores diferentes que definidamente, contornavam todo o seu delicado e brilhante dorso. A cor predominante, como manda sua espécie, era a mesma da hera de bosques, uma vez que um animal tão pequeno e vulnerável, entre outras coisas, precisa se camuflar para sobreviver em um ambiente perigoso. Logo, involuntariamente, o rapaz passou a acariciar as costas escamosas de nossa amiguinha e com gesto meigo iniciou um suave e diligente afago. Aquele gesto fora impulsionado na intenção de reparar os danos da queda, sofrido por aquele pequeno animal. E nossa amiguinha relaxou, entendeu que se tratara da mais altiva prova de amizade, talvez fosse um incentivo, quando o incentivo já não era é necessário. E o seria, se não fosse o empecilho da discrepância incomensurável de suas incompatibilidades, visto que se sentiam atraídos, devido às formas análogas de seus sentimentos. Algo que vai muito além da simples diferença entre um ignoto humano e nossa graciosa réptil. Após alguns minutos afagando carinhosamente o lombo do delicado animal, fora impelido pelo chamado de suas obrigações. Cuidadosamente ele a pôs na palma de sua mão e a elevou até um galho da árvore próximo ao banco, logo, despediu-se com olhar amável e a deixou naquele bosque enquanto seguia o rumo de sua vida. Mas ela não entendeu aquele gesto e ficou triste, pois desejou que aqueles poucos minutos viessem durar a vida toda, e seu coraçãozinho ficou profundamente angustiado.

7- Conclusão.

Nos dias vindouros, a nossa amiguinha não caçava, não dormitava e nem se distraía até avistar novamente seu gentil amigo humano. Pois ele proporcionou o momento mais sublime de sua meticulosa vida. Para ele, tudo não passou de um daqueles momentos sem relevância e que brotam de repente, mas para ela, foi a melhor experiência vivida e sem dúvida influenciou positivamente. Pois a partir daquele gracioso toque do destino havia um motivo real para ela viver. Agora, como grandes amigos, eles desfrutavam de um delicioso ritual. Em um dado horário do dia, ela se posicionava em um galho bem próximo do banco, pois isso faria com que a sua queda não oferecesse qualquer desconforto. Momentos depois chegava o nosso rapaz, ele sentava no banco, ela se precipitava sobre seu colo, ele puxava um livro e começava a ler, sem obviamente usar a outra mão para afagar em delicioso cafuné, a estimada lagartixa.

 

FIM

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