Jardins do Tempo
Contos | Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas. | Silvia Dos Santos AlvesPublicado em 12 de Maio de 2025 ás 21h 42min
Havia quem gostasse de observar o tempo. Não apenas nos mostradores, mas na dança das sombras no chão, na partida silenciosa das folhas e na maneira como o vento parecia carregar lembranças para longe.
Silvia era uma dessas pessoas. Desde menina, encantava-se com os ciclos das estações, com o desbotar das flores e o renascimento da terra. Cresceu entre os jardins que um dia foram vibrantes, testemunhando a mudança das cores e dos cheiros, até que, inevitavelmente, algo se perdeu.
Certa vez, uma voz familiar lhe disse: "O tempo corre, escapa, se vai... mas quem planta amor no jardim da alma nunca se perde." Na época, aquelas palavras foram apenas um eco sem forma. Mas, anos depois, enquanto olhava para o velho jardim da casa onde havia crescido, sentiu que algo despertava dentro dela.
Ali, onde antes havia cores intensas, agora restavam galhos secos e raízes esquecidas. O vento soprava livremente, como se levasse consigo todas as lembranças de um tempo que não voltaria.
Silvia hesitou. Poderia apenas aceitar o que já estava feito, seguir em frente e deixar que o jardim se desfizesse junto às memórias. Mas então, tomou uma decisão: plantaria novamente. Trouxeram-se mudas novas, e com as mãos cheias de terra, revolveu o solo e regou cada canto com paciência e esperança. Não era apenas um jardim que floresceria, mas também as próprias lembranças—fragmentos de uma vida renascendo entre pétalas.
O tempo seguiu seu curso. As folhas voltaram a brotar, e a cada amanhecer, Silvia compreendia que o passado nunca retorna, mas que o que nele se cultiva pode perdurar para sempre.
Naquele espaço verde, entre flores e raízes profundas, ela se deu conta de que não era mais a menina que um dia correu por entre as árvores. Mas, ao olhar para o jardim que revivia, soube que parte dela sempre estaria ali, onde o tempo não apagava, apenas transformava.
Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO