Fui adulta aos treze anos
Fui adulta nessa idade, não porque quis,mas porque a dor bateu primeiramente na minha porta quando ví meu pai pegar a bagagem e sair pra nunca mais voltar.
Meus irmãos tornaram-se meus filhos. Eu arrumava as mochilas e o almoço para levar o menor na escola. Segurava o chôro para não assustar ninguém. Eu pari maturidade!
Minha mãe. com profunda tristeza e já com seus quarenta anos, debruçava-se numa cama sem perspectivas. Era eu a única corajosa, capaz de pegar na virada da vida, a responsabilidade de adulta. Parei nos meus treze anos e esqueci dos meus sonhos, intitulando-me de matriarca da família Galeno.
Deus havia escrito meus dias e neles estava entrelinhas a função de liderar sem saber. Assim criei coragem e vestindo a camisa de mãe aos treze anos, parti para a luta com a cara e a coragem.
A infancia não me pediu licença pra sair, ela saiu simplesmente escoltada de renúncias e eu não entendi o motivo de tanta responsabilidade.Mas não fui covarde. Enfrentei as caras feias,muitos nãos. Escutei as rodas de criticas e zombarias quando jantávamos café com pão na rua da Brasília.
O dinheiro havia acabado. Então, eu saía como uma formiga sai do formigueiro em busca de alimento.Mal dava seis horas da tarde, eu já aprontava o fogo,arrumava carvão ou galhos secos no fogareiro e fazia o café para todos.
Minha mãe esmorecida, fraquejara com as dificuldades da vida. Suas forças enfraqueciam tanto no aspecto sentimental,mas ela aprendeu a confiar em mim. Éramos sete, mas eu sentia-me responsável por cada um, principalmente por minha mãe que definhava no ápice dos problemas. Eu sentia força, às vezes queria retroceder, e quando queria fraquejar, eu seguia em frente porque olhava para eles e ficava claro o quanto precisavam de mim. Eu era uma menina magra, pesava uns trinta kilos, mas tinha atitudes que eu mesma desconhecia, tornei-e forte e decidida.
Enquanto isso, o tempo passava e eu amadurecia. A noite passava rápido para mim. Eu acordava e sabia que estava na hora de organizar a casa e o almoço. Muito cedo, pegava dois baldes e saia em busca de água,pois no cruzeiro do anil,antes tinha essa escassez.
Depois retirava-me para o mercado e onde os açougueiros já me conheciam e vendiam-?e ate mamãe receber dinheiro. Tudo isso eu vivi e guardei no meu coração uma infancia que não tive e uma pre-adolescencia tumultuada. Aprendi a ter responsabilidades, mas a infancia me pegou de jeito e foi embora devagar,pra não fazer barulho. Minha vida se resumia nos momentos que eu me dedicava a manter minha família, ao me preocupar com a nota de luz atrasada, com o quitandeiro, com remedios e açougueiro que eu tinha que pagar, e outras coisas que me conduziam a um mundo realista e cruel. Um mundo indiferente, mas que me garantia ver meus irmãos bem porque eu sabia como protegê-los. Quando faltava o alimento, a gente se acomodava cedo,mas eu sempre tinha uma solução e com lágrimas nos olhos eu ia comprar mesmo sem dinheiro. Isso aconteceu muitas vezes.
Cadê aquela menina que deveria estar feliz? Sumiu no dia em que vi minha mãe chorar pela primeira vez!
Aquela menina que sorria e vivia de pés descalços tornara-se uma mulher aos treze anos, disposta a fazer o café, a comprar pão fiado e a escutar piadas por alguém que certamente não queria vender-me.
Certamente eu tinha sonhos,eu queria viver outra historia,mas eu não tive chance. Tive que passar o que passei porém não me arrependo,conto com orgulho do que fiz e não fugi do que estava ao meu alcance.
Tomava de conta do dinheiro de minha mãe e pagava as contas tudo direitinho. Com reponsabilidade e cuidado de pagar tudo e ainda comprar tecidos para fardas e material escolar que o governo não oferecia. Porque ser filha exigia de mim mais organização. Aprendi muita coisa. Aprendí que crescer de repente é perder o direito de sonhar. Mas eu estava lá, fazendo tudo por amor à minha família que estava sendo tragada para cair num abismo.
Morávamos numa casa coberta de palha e a chuva nos maltratava. A cada goteira,uma prece da minha mãe. Escutávamos não lamentos,mas ela falava de um Deus que ela acreditava, e a gente com fé sabiámos que a chuva logo passaria.
Depois disso, ela já estava mais forte. Pilava o arroz para fazer cuscuz e vender.
Fui uma filha que virou mãe.Uma irmã que cuidou dos irmãos e não deixou ningem morrer de fome.
Eu era só uma menina!
Enquanto as colegas falavam de maquiagem e namoricos, eu contava quantos ovos dava pra dividir entre a gente. Enquanto minha mãe chorava no quarto escuro,eu acendia o fogo e colocava água para fazer um arroz, pra ninguém dormir sem comer.
Eu me virei,me quebrei,mas eu não dexisti. Alguem tinha que ser mãe,eu fui aos treze anos. Agradeço a Deus.
Se alguém me perguntar hoje se valeu a pena,eu respondo:
- Eu não deixei ninguém morrer e fome,isso já é um milagre.
Uma homenagem a você minha irmã. Tete.Te amo.