No chão do tempo repousam partes do que fui

palavras dispersas esperam reencontro

memórias que voltam como sombra de luz

e permanecem apenas pelo nome que não esqueço

pedras do caminho guardam segredos de passos antigos

cada fragmento um pedaço de silêncio

um gesto inacabado, um olhar que resistiu à distância

há versos que nasceram de ausências inteiras

e outros, de pequenas alegrias guardadas no bolso

nem sempre compreendo o que o passado quis dizer

mas sinto que ele respira dentro do que ainda escrevo

o agora é apenas um eco do que ainda procuro

entre o que perdi e o que restou mora o que sou

a alma se reconstrói com pedaços de ternura

cada lembrança costura o avesso da esperança

no espelho encontro rostos que partiram

e percebo que ainda conversam comigo em silêncio

não há perda completa quando o afeto resiste

palavra escrita é também abrigo do que sobreviveu

coleciono fragmentos como quem junta alvoradas

em cada estilhaço brilha um instante de eternidade

há beleza no que se quebra com delicadeza

porque o todo não precisa ser inteiro para iluminar

sinto que o tempo também se emociona quando recordo

e que o que ficou esquecido nunca deixou de existir

dias passam, mas o sentido permanece aceso

poesia é o que resta quando o mundo silencia

é ela quem recolhe o que o tempo dispersa

transformando ruína em rastro de luz

e fragmento em amanhecer possível.