Eu ainda me lembro bem

Crônicas | 2025 - NOVEMBRO - Caminhos da saudade: reflexões e encontros | Djordana Cecília Bombarda
Publicado em 12 de Agosto de 2025 ás 19h 49min

Tudo começou no início de 1984 quando uma família oriunda do oeste do Paraná decidiu morar numa "vilazinha efervescente" no noroeste do Mato Grosso. Denominei assim, porque de fato vivíamos intensamente. Éramos felizes e sabíamos. 
Meu pai construiu um casarão de madeira de dois andares, pintado de amarelo. No primeiro andar era o armazém (Comercial Santo Antônio) e no segundo, o lar da família. Nossos vizinhos mais próximos eram o Neuri Baggio, Seu Ernesto Midding, Seu Leoclides Demichelli, Seu Nicanor Vargas Witcel, Seu Quinca, Tio Chico Stefanello, Dona Idalina, a família da Jandira, Dona Trude Wandressen, Saletinha Pasqualetto e Seu Hilário Zanchettin.
A vilazinha era mesmo bem agitada. Outras "famílias grandes" ali também  plantaram a semente da esperança. Tinha sempre torneio de futebol, de bocha, de vôlei, festa junina com quadrilha e fogueira gigante, escolha da sinhazinha, padrinho da fogueira, missões, procissões, novena de Natal, desfile de 7 de setembro, teatro na igreja e na escola, gincana, carnaval, bailão, churrascada no bosque da igreja e deliciosos bolos e cucas nas festas da igreja Nossa Senhora de Guadalupe e nos domingos bem cedinho juntava uma galera (Tia Veraci, Tio Chico, Nadir, Sílvio,) em cima do caminhão do meu pai para fazer piquenique no Balneário Oásis. Tudo isso repleto de muita alegria, mas também de frequentes atritos.
Vivíamos longe dos recursos da cidade, mas a gente se virava como podia.
No início só tinha lamparina, lampião e geladeira à gás, água puxada do poço, roupa lavada na tábua no córregozinho.
Tinha dia que um bando de gente (mãe, Elvira e companhia limitada) a pé mesmo, saíamos para buscar mandioca, milho verde, limão rosa, manga, goiaba, frango e ovos caipira no sítio do seu Carlos e leite de vaca no sítio do seu Idulino Eger.
Brincávamos na rua ou no pátio da igreja.Jogávamos vôlei, queimada, bets e bolita. Tomávamos banho nos riachos da entrada da vila, lá no Seu Aldino Stein e no Seu Walmor Wandressen e também nos valetões das enxurradas quando chovia, pulávamos tábua, amarelinha, balanço e fazíamos piquenique nas arvorezinhas ao redor da igreja, assim como promovíamos desfiles de moda com as amigas.Nos sábados à tarde a mulherada e a criançada se juntavam para limpar a igreja, pois no domingo tinha missa animada com a cantoria da dona Orzélia e da Vanira.
Mesmo sendo um local remoto, recebíamos visitas. Era uma época em que se recebiam muitas visitas em casa.
A Euzalém e a Leda era uma das nossas frequentes visitas.
A Euzalém gostava de jogar baralho e a Leda fazia um bolo delicioso e pintava lindas telas.
Tambem recebíamos políticos, como o saudoso Dante de Oliveira, o pessoal dos cartórios, os médicos, padres e irmãs da cidade maior. Era aquela comilança regada a vinho,  frango com polenta e salada de radiche.
Nessa época já tínhamos motor à gasolina, bomba no poço, água encanada, chuveiro elétrico e banheiro. A comunicação era somente via rádio ou carta. A mãe fazia o melhor pastel de palmito e o melhor doce de castanha- do -Pará do mundo. E o pai quando vinha de Aripuanã trazia as coisas gostosas pra gente comer. Lembro-me de alguns  episódios...minha mãe mandando a gente se "lavar direito" porque iam chegar visitas para assistir o jornal e a novela das 8.
Para nós era uma alegria receber essas visitas. Sinal de que não estávamos tão isolados do mundo assim! Já era de costume receber o pessoal à noite para assistir televisão. A gente até já sabia quem vinha. O povo ia chegando e a escada do casarão ia ficando repleta de chinelos.
Para aproveitar o motor ligado, dona Glória passava rapidinho as roupas lá na sala mesmo, para não perder um só momento da novela. Os sofás ficavam abarrotados de gente. Não cabia todo mundo, mas o povo não se avexava em sentar no chão, um assoalho que brilhava,  envernizado pelo seu Toninho Buzanello.
A conversa rolava na sala só no intervalo da novela, depois era um silêncio total. Todo mundo ficava ligadinho. Isso se repetiu também nos jogos de 2 Copas do Mundo. 
Fecho os olhos e vejo os móveis maciços de cerejeira por toda a casa, os quadros pendurados na parede, assim como as imagens de Santo Antônio e Nossa Senhora Aparecida na estante da sala e o vaso de flores artificiais na mesinha de centro. O casarão era aconchegante. Tão acolhedor que era de costume servir um café para as visitas. Tinha vezes que o Bandeira tocava sanfona para animar o pessoal e a gente até dançava.
E lá da cozinha uma voz  surgia...
– Gente, vem para a cozinha que o café está pronto. Tem cueca virada. Era a Vanira nos chamando para o café. 
Todo mundo se juntava ao redor da mesa e os fuxicos pipocavam soltos. E as gargalhadas também. 
A vida estava ali, no café, na conversa, no riso, no acalento. Era a alegria transbordando simplicidade e enaltecendo a amizade.
Quando acabava a novela, todos se despediam e lá íamos nós desligar o motor. Cada qual voltava a pé para sua casa com o coração aquecido por mais um encontro. 
E nós, lá do alto da area ficávamos olhando um por um indo para casa com suas lanternas acesas até que sumissem na imensidão da noite.
Com o passar dos anos muita coisa mudou.
As visitas nas casas ficaram cada vez menos frequentes. 
Não se faz mais questão de receber em casa. Agora a gente combina encontros fora de casa. 
É a vida eternizada em momentos que não voltam mais. 
O que fica é a saudade e lembrança de pessoas e momentos incríveis e inesquecíveis.

Comentários

Cartas.... Eu amava escrever cartas. bons tempos os velhos tempos.

Eidi Martins | 12/08/2025 ás 20:12 Responder Comentários

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