A estrada era longa e cheia de curvas, como se quisesse esconder os segredos que guardava. Para Clara, aquele caminho sempre fora familiar, mas nunca soubera ao certo o que o tornava tão especial. Desde criança, ela sentia que cada passo dado por ali trazia algo mais que simples lembranças, trazia ecos de histórias passadas, de momentos vividos por pessoas que nunca haviam se despedido completamente. Era como se a estrada tivesse o poder de puxar à tona as memórias que o tempo tentava enterrar.

Ela andava por aquela estrada quase todos os dias, com os olhos distantes, acompanhada apenas pelo som dos seus próprios passos e o farfalhar das folhas que caíam das árvores. Ao longo da caminhada, ela podia sentir a presença de algo maior, uma força invisível que a guiava, levando-a para um lugar que ela conhecia tão bem, mas que nunca soubera explicar.

Naquele dia, a estrada parecia ainda mais silenciosa, como se estivesse esperando por algo. Clara seguiu em frente, com as mãos no bolso do casaco e o vento frio tocando seu rosto. Quando chegou ao ponto onde a estrada se bifurcava, parou. Era ali que, em sua infância, ela costumava sentar com a avó e escutar as histórias sobre os antigos tempos, histórias de um passado que Clara não conseguia entender, mas que sentia profundamente.

"Esta é a estrada das lembranças", dizia a avó. "Aqui, tudo se perde, mas nada desaparece."

Clara nunca soubera o que aquilo significava até aquele momento. Mas agora, com o peso do tempo nas costas, ela começava a compreender. A estrada não era apenas um caminho físico; ela era um portal para o passado, onde as lembranças se tornavam tangíveis, como fantasmas que percorriam o espaço e o tempo.

Ela seguiu até o velho banco de madeira que ficava sob a grande árvore de carvalho, o mesmo banco onde, muitas vezes, sentira o calor das mãos da avó, segurando-lhe a mão com ternura. Ali, naquele banco, o vento parecia sussurrar segredos, e as sombras das árvores pareciam dançar em uma coreografia silenciosa. Clara fechou os olhos por um momento e, ao abrir novamente, o cenário havia mudado.

Agora, ela estava de volta à sua infância. O som das risadas de sua avó e o aroma doce das flores ao redor a envolviam. Ela podia ver as cores vibrantes do campo, o brilho dourado do sol refletido nas folhas e a imagem da avó sorrindo ao seu lado. O banco estava ali, mas também estava preenchido com algo mais: com uma presença que ela não conseguia mais tocar, mas que sentia no coração.

A estrada das lembranças não era apenas um caminho físico. Era um lugar onde os sentimentos se renovavam, onde a saudade não trazia dor, mas uma sensação de proximidade, como se o tempo não tivesse realmente passado. A cada passo, Clara via mais flashes de seu passado, momentos que pareciam esquecidos, mas que estavam ali, esperando para serem resgatados.

Ela olhou para o céu, e as nuvens pareciam formar imagens familiares — a avó, sorrindo, e o velho cachorro da infância, correndo livre pelos campos. Clara sorriu, sabendo que, embora a avó tivesse partido há muitos anos, ela ainda vivia em todos aqueles momentos que a estrada trazia de volta. E enquanto ela caminhava de volta, a estrada parecia mais curta, como se, de algum modo, o tempo se curvasse diante de si, permitindo-lhe revisitar o que fora e ainda era.

Clara sabia que não precisava mais buscar respostas para os mistérios da estrada. Ela entendia que a verdadeira essência das lembranças não estava em entender, mas em sentir — em permitir-se viver novamente, mesmo que apenas por alguns segundos, a magia do que se perdeu no tempo.

Na estrada das lembranças, ela sabia que nada realmente se vai. Tudo continua ali, esperando por quem tiver coragem de olhar para trás e escutar os ecos do passado.

Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO

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