Meu Amado,
Escrevo-te num dia em que a dúvida se ergue como um espectro ao meu redor. Não sei mais se estas palavras são um bálsamo ou um veneno, se aliviam a saudade ou a tornam ainda mais cruel. Mas escrevo porque não sei existir de outra forma. Enquanto houver tinta e papel, enquanto houver silêncio e noites vazias, estas cartas continuarão a nascer de mim, como um sopro inevitável daquilo que sinto.
Hoje, a razão tentou arrastar-me para longe de ti. Sussurrou-me que devo seguir, que devo aceitar o que a vida impôs. Disse-me que há um limite para o amor, que há sentimentos que precisam ser encerrados para que outros possam florescer. E, por um instante, quase acreditei. Quase aceitei a ideia de que amar-te é um erro, um equívoco da alma que deve ser corrigido. Mas então, como uma onda que se recusa a recuar, a lembrança tua tomou-me por completo.
Como pode algo tão errado parecer a única verdade que conheço? Como posso negar o que pulsa em mim com a mesma força que o sangue que me mantém viva? Quisera eu ser mais branda, quisera eu sentir menos, esquecer mais facilmente. Mas o que faço se teu nome é uma inscrição eterna em minha existência? Se teu rosto surge até mesmo nos sonhos que eu não escolhi ter?
Hoje, ao atravessar um corredor espelhado, detive-me diante de meu próprio reflexo e perguntei-me quem sou sem este amor. O que restaria de mim se um dia, por milagre ou desventura, eu acordasse e percebesse que já não te amo? E foi então que compreendi: perder-te dentro de mim seria perder a mim mesma. Tornar-me-ia uma sombra, uma silhueta desprovida de essência, uma imagem sem brilho. Porque és parte do que sou, e expulsar-te de mim seria dissolver-me no nada.
Sei que este sentimento desafia todas as regras, que vai contra tudo que se espera de uma vida sensata. Sei que há quem diga que amar deve ser simples, e que aquilo que se interpõe entre dois corações deve ser esquecido para que ambos possam respirar. Mas quem disse que amar é respirar? Para mim, amar-te sempre foi submergir, foi existir abaixo da superfície do que é visível, foi habitar um universo secreto onde apenas nós dois sabemos o caminho.
E se o preço para continuar sentindo-te é carregar esta angústia, que seja. Prefiro viver condenada à lembrança do que poderíamos ter sido a viver uma vida desprovida de tua marca. Prefiro a dor de amar-te à frieza da indiferença. Se não posso ter-te em carne e tempo, terei-te em palavras e eternidade. E isso, meu amor, é o que me mantém viva.
Assim, escrevo-te mais uma vez. Porque desistir de escrever-te seria desistir de mim.
Tua, mesmo na contradição,
Eulália