Entre a Terra e a Centelha
Crônicas | 2023/2 Antologia Lapidando o diamante | Matile FacóPublicado em 20 de Janeiro de 2024 ás 16h 46min
Era uma pequena oficina no coração da cidade, onde mãos habilidosas e olhos atentos convergiam em uma dança artesanal. Não era uma joalheria comum; era um santuário onde diamantes brutos eram transformados em gemas reluzentes, lapidadas com esmero por uma artífice dedicada.
Cecília, a mestra lapidária, era uma presença singular naquele espaço. Seu avental desgastado contava histórias de inúmeras jornadas pelo mundo das pedras preciosas. Seus dedos, firmes como raízes que se entrelaçam com o solo, tinham o toque preciso para revelar a beleza intrínseca de cada diamante.
A oficina exalava um perfume peculiar, uma mistura de serragem fina e o brilho suave das gemas polidas. As paredes eram testemunhas silenciosas de cada transformação, guardando segredos que só poderiam ser compreendidos pelos que mergulhassem na arte de lapidar diamantes.
Cecília não via apenas pedras em bruto; enxergava potenciais não revelados, histórias enterradas nas entranhas de cada cristal. Seus olhos, profundos como minas antigas, refletiam a paciência acumulada ao longo de décadas de meticulosidade.
Lapidar um diamante não era apenas esculpir sua forma; era entender as camadas ocultas, aquelas que não se revelam à primeira vista. Cecília acreditava que, de certa forma, lapidar um diamante era um ato de compreender a própria essência humana.
A cada centelha revelada, Cecília sentia uma conexão íntima com a jornada do diamante. Era como se, ao moldar a pedra, também esculpisse um pedaço de si mesma. Cada imperfeição do diamante era uma cicatriz, uma marca de resistência que contava a história de pressões superadas.
Na oficina de Cecília, os diamantes não eram simples ornamentos; eram testemunhos de transformações. À medida que as pedras eram lapidadas, ela partilhava suas experiências com os aprendizes, como uma sábia contadora de fábulas lapida os corações dos ouvintes.
Em seu banco de trabalho, Cecília tinha um diamante especial. Uma pedra que, aos olhos desavisados, poderia parecer comum, mas que guardava em seu interior uma luminosidade única. Era um diamante que ela decidira lapidar ao longo dos anos, uma jornada que se misturava com a própria trajetória de vida.
E assim, entre o som suave da lixa encontrando a pedra e as histórias compartilhadas nas pausas, Cecília continuava a lapidar o diamante especial. Cada faceta revelava uma lição aprendida, cada centelha trazia à tona uma memória gravada nas profundezas da gema.
Na oficina de Cecília, lapidar o diamante era mais do que uma habilidade; era um ritual, uma dança entre a artífice e a centelha escondida. Ao final de cada jornada, quando as pedras brilhavam com intensidade, ela sorria, sabendo que, naquele espaço de transformação, estava esculpindo não apenas diamantes, mas também a própria essência da existência.