Encontro Inesperado
Contos | 2025 - NOVEMBRO - Caminhos da saudade: reflexões e encontros | Isolti CossetinPublicado em 16 de Junho de 2025 ás 20h 12min
Encontro Inesperado
Era uma terça-feira qualquer. Daquelas mornas, silenciosas, em que até os ponteiros do relógio parecem andar mais devagar. Clara caminhava distraída pela praça, com os olhos perdidos entre folhas caídas e crianças correndo ao longe. Trazia consigo uma velha bolsa de crochê e um caderno amarelado onde rabiscava pensamentos que nem sempre conseguia dizer em voz alta.
Sentou-se no banco de sempre, debaixo do ipê que insistia em florir mesmo fora de época. Suspirou. Vinha ali todos os dias, como um ritual de silêncio e saudade. Depois da partida de seu marido, aquela praça era o único lugar onde ainda conseguia ouvir sua própria alma.
Do outro lado da praça, um senhor de cabelos brancos e olhos atentos observava os pombos com uma expressão que misturava encantamento e solidão. Trazia no colo um livro de capa gasta e um cachecol vermelho enrolado ao pescoço, mesmo com o calor leve daquele dia.
Os olhares se cruzaram por acaso. Clara desviou primeiro, envergonhada por ter encarado. Mas o senhor sorriu, um sorriso quase infantil, como quem agradece uma lembrança. Sem saber por quê, ela retribuiu.
Na manhã seguinte, ele estava lá outra vez. E no outro dia. E no seguinte. Sempre com o mesmo cachecol, o mesmo livro, e o mesmo sorriso discreto.
Até que, numa quinta-feira de céu limpo, Clara criou coragem.
— Posso? — perguntou, apontando para o espaço vazio ao lado dele no banco.
— Claro. Estava esperando você — respondeu, como se aquele momento já tivesse sido sonhado antes.
Conversaram sobre tudo e nada. Ele se chamava Vicente, era viúvo, ex-professor de literatura. Ela lhe falou de seus cadernos de poemas, do medo que tinha de recomeçar. Ele, das cartas que nunca chegou a enviar para a esposa, e do quanto sentia falta de alguém que apenas o escutasse.
Os dias se tornaram hábito. O banco, ponto de encontro. E entre versos lidos, memórias divididas e silêncios compartilhados, algo bonito foi crescendo. Sem pressa. Sem promessas.
Ninguém mais os via como dois solitários. Eram dois inteiros, inteiramente presentes um para o outro.
Certo dia, Vicente trouxe um envelope. Dentro dele, um poema escrito à mão:
"Às vezes, é no banco mais comum de uma praça qualquer
que a vida senta ao nosso lado
e nos convida, sem palavras,
a continuar."
Clara sorriu com os olhos marejados. Pegou seu caderno e, pela primeira vez em muito tempo, escreveu sem medo.
Foi um encontro inesperado. Mas profundamente necessário.