DONA JACINTA: UMA CARTA, UMA HISTÓRIA, UMA VIDA
Cordel | Antologia Dolores Flor e convidados: tecendo vidas | Josivaldo Constantino dos SantosPublicado em 16 de Julho de 2023 ás 11h 58min
DONA JACINTA: UMA CARTA, UMA HISTÓRIA, UMA VIDA
Aqui, um pouco da vida
Da personagem Jacinta
Uma senhora elegante
Animada e bem distinta
Só quando adulta estudou
E em uma carta mostrou
Que, de saber, é faminta.
Eu vou contar pra vocês
Um fato que aconteceu
No ano dois mil e dez
Uma inspiração nasceu
No dia vinte de julho
Uma carta a seus colegas
Dona Jacinta escreveu.
Essa carta foi um trabalho
Que a escola solicitou
Que cada aluno escrevesse
A história que passou
Então a dona Jacinta
Pegou a sua caneta
E a sua história contou.
Já começou assinando
Jacinta Kempf Diel
A todos deu boa tarde
Pois é uma amiga fiel
Com caneta tinta azul
Escreveu a sua história
Em duas folhas de papel.
A carta assim começava:
Aqui eu vou relatar
Um pouco da minha história
Pra cada um escutar
Minha vida não foi fácil
Para ser o que sou hoje
Muito eu tive que lutar.
Já passei de tudo um pouco
Alegria, sofrimento
Com saúde e com doença
Mas nada disso eu lamento
Eu só guardo as coisas boas
Minhas festas, minha sorte
E também divertimento.
Com cinquenta e cinco anos
Só peço a Deus pra viver
Que Ele me dê muitos anos
Pois velhinha eu quero ser
Quero ficar vovozinha
E com a ajuda de Deus
Coisas boas ainda fazer.
Meus pais trabalhavam muito
No meio de um matão
E tiveram que fazer
Para morar, um galpão
O começo foi difícil
Mas meu pai e minha mãe
Não desanimaram não.
O trabalho era na roça
Sob chuva ou sou quente
Plantando e cortando cana
Pra uma indústria de aguardente
O famoso alambique
Era fonte de cachaça
Alegria de muita gente.
Depois de um certo tempo
A mamãe engravidou
E nasceu uma menina
Que nem dois quilos pesou
Essa menina era eu
Fui crescendo com saúde
E agora aqui estou.
Já com cinco ou seis anos
Comecei a trabalhar
Jogar bagaço de cana
Num forno para queimar
E depois ia pra casa
Porque os meus irmãozinhos
Eu ajudava a cuidar.
Ao completar sete anos
Fui pra escola estudar
E nos três primeiros anos
Tirei o primeiro lugar
No quarto eu faltava muito
Então sai da escola
Para poder trabalhar.
Eu voltei a cortar cana
Para a indústria de aguardente
Daí não fui mais na aula
Fiquei muito descontente
Mas o sonho de estudar
E de um dia me formar
Não saiu da minha mente.
Quarenta e três anos eu
Fiquei fora da escola
Mas meu sonho não morreu
Hoje estou aqui agora
Na presença de vocês
Realizando um passo
Do meu sonho de outrora.
Fazer o Ensino Médio
Eu queria de verdade
E logo depois desse estudo
Fazer uma Faculdade
Eu sei que não será fácil
Porém eu chegarei lá
Pois tenho muita vontade.
Com treze anos eu fui
Ao baile a primeira vez
Entre a ida e a volta
Dezesseis quilômetros fez
Foi tudo bem divertido
E depois de algum tempo
Eu logo me apaixonei.
Eu arrumei um rapaz
Moço alto e bonitão
Quando olhei aquele homem
Todo forte e gostosão
Eu pensei comigo mesma
Será pra esse deus grego
Que darei meu coração.
E por três anos e meio
Esse rapaz namorei
E aos dezenove anos
Com ele eu me casei
Vivo com ele até hoje
E digo toda feliz
Foi o único homem que amei.
Durante o nosso namoro
As árvores floresceram
Logo depois nos casamos
E coisas aconteceram
E desse nosso amor
Jesus nos presenteou
E dois lindos filhos nasceram.
Hoje os filhos são formados
No Ensino Superior
Completaram a alegria
Dessa família de amor
Jaqueline é professora
De uma creche é diretora
E o Jeferson virou doutor.
Trinta e sete anos já
De casados vamos fazer
Nossa vida é de sucesso
Foi só vendo para crer
Com esforço e muita luta
Com o suor da labuta
Nós conseguimos vencer.
Viemos pra Mato Grosso
Há quatorze anos atrás
E é aqui em Sinop
Que a família vive em paz
Trabalhando e prosperando
E junto com os amigos
Se divertindo demais.
Prestamos concurso público
E a prova foi bem pesada
Eu e o Loreno passamos
Agora estou sossegada
Faz doze anos que eu faço
Com amor e com carinho
Merenda pra criançada.
Estou fazendo o que gosto
E voltei a estudar
A convite do diretor
Eu resolvi encarar
Por isso estou hoje aqui
Bem na frente de vocês
Pra minha história contar.
Eu agradeço a escola
Funcionários, direção
Professores e colegas
Que me apoiaram então
E também minha família
Nessa minha trajetória
Em busca da educação.
(Poesia escrita a partir de uma carta de Dona Jacinta a seus colegas de escola em 2010 em Sinop-MT. Seu filho Jeferson Diel, me pediu que transcrevesse a carta para a poesia de Cordel e de surpresa a recitasse em seu aniversário de 60 anos no dia 30/06/2014.)
Comentários
Uma linda e emocionante história! Parabéns, poeta!
Enoque Gabriel | 16/07/2023 ás 15:03 Responder Comentários