Da Janela da Sala

Crônicas | Carlos Onkowe
Publicado em 01 de Agosto de 2025 ás 20h 04min

Da janela da sala, o mar é um espetáculo e a cada manhã, ele se oferece como pintura viva: ora azul-turquesa, ora cinzento e profundo, mas sempre imenso. A praia se estende como um convite à contemplação, com suas faixas douradas de areia, as ondas que dançam em vaivém, e o brilho do sol que a tudo cobre como um véu de ouro.



É uma vista privilegiada. Um cartão-postal permanente que me acompanha no café, no trabalho, na pausa. Mas não é só a paisagem que me prende. Porque, enquanto o mar se exibe, silenciosamente outros corpos se movem, chegando pelas calçadas, empurrando o peso do dia.



Eles vêm chegando, um a um. Puxando carrinhos que rangem, empurrando o sustento, a dignidade, a sobrevivência. Homens e mulheres, muitos já com os cabelos embranquecidos pelo tempo, os joelhos cambaleantes, a pele marcada pelo sol que não tira férias. Empreendedores, dizem. Mas o nome bonito não mascara a precariedade. É trabalho sem proteção, sem amparo, sem descanso.



Vejo barracas sendo montadas em silêncio. Os isopores cheios de gelo e esperança. As cadeiras empilhadas, os guarda-sóis que dançam com o vento. Tudo isso armado sob o olhar atento de quem sabe que não pode contar com o amanhã. Porque amanhã pode chover. E chuva não tem cliente. Mas mesmo assim, chova ou faça sol, eles vêm. Porque o pão não se adia.



O tempo todo penso: como o Brasil os enxerga? Será que vê? Porque eu vejo. E ver dói. Ver é compromisso.



Eles chegam invisíveis, mas montam o que é essencial: não só a estrutura da praia, mas o exemplo da luta, do não-desistir, da dignidade sem salário fixo. E ainda sorriem. Sorriem para os veranistas, para os turistas, para os que não fazem ideia do que custa, cada pedaço de queijo coalho, cada cerveja gelada, cada coco verde servido na bandeja de isopor.



Eu vejo da minha janela. E cada vez que vejo, compreendo que essa vista para o mar é, na verdade, uma janela para um Brasil profundo. Um Brasil contraditório: rico, injusto e desigual.
Um Brasil que nunca foi à praia para descansar.

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