CRÔNICA DA SAUDADE
Crônicas | Bernadete Crecencio LaurindoPublicado em 06 de Outubro de 2022 ás 20h 46min
CRÔNICA DA SAUDADE
(Para Day)
E por falar em ti, lembro de dar uma olhada no calendário. Verifico a passagem do tempo, que muda, inexorável.
Entrementes, tudo em volta, está no mesmo. Na vidraça da janela da sala, o casal de lagartixas e suas barrigas brancas, à hora do sofá e da novela; o cachorro encharcando os pés dos chegantes ao portão - garantia de território; os gatos reclamando espaço no sofá; a lua vermelha de poluição, torcendo que vermelhos fiquem os rostos de quem a produz; a atmosfera carregada de pó, cinza e fumaça; as noites abafadas do estio e o barulho dos ventiladores; a penumbra do teu quarto, ao entardecer; tua foto sobre o armário; o café da manhã, junto com o noticiário da TV; o chimarrão; as crianças chegando às sextas-feiras, para o fim de semana (famintas, direto à cozinha, disputando lugares à mesa grande e se empanturrando dos “virados” - sobras do almoço); a missa das manhãs de domingo; a toalha xadrez verde, grande, da grande mesa da cozinha; o almoço de domingo, com churrasco ou galinhada, nhoque, farofa, maionese, refri, vinho e cerveja; as discussões e os desentendimentos relacionados a assuntos político-partidários ou divergência de ideias, e o silêncio que se segue, estando servido o almoço; o balançar da namoradeira, na varanda; o casal de vizinhos, em frente, sentados em cadeiras de fios de plástico, na calçada, aguardando que a noite chegue, para se recolherem; o quintal grande, as árvores e seus frutos e as hortaliças, as folhas secas pelo chão, o galinheiro, o rancho.
Perco-me absorta na mesmice das coisas, mas um pensamento, uma lembrança me acode e eu choro: não, tudo mudou, tudo já não é a mesma coisa - há um imenso vazio neste cenário: tu!
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Mais uma bela crônica!
Enoque Gabriel | 07/10/2022 ás 20:21 Responder Comentários