Conversa no ônibus.

Contos | Valter Figueira
Publicado em 19 de Janeiro de 2022 ás 22h 32min

 

 

Silveira entrou no ônibus esbaforido com a respiração acelerada. Pressentiu que quase teve um enfarte. Teve que correr para não perder o único carro que passa na vila no período de uma semana. Seu amigo João já estava esperando no ponto. Sentaram um ao lado do outro nas poltronas do centro do veículo.

— Você está vindo de onde mesmo João? Perguntou ao amigo, tentando puxar assunto. Ainda de pé colocando um pacote com algumas coisas no bagageiro encima dos assentos.

— Venho da casa de um compadre. Ele está de cama. Nessas horas que a gente tem que fazer o papel de amigo. Mas parece que está bem melhor. E você Silveira? Vem de onde? Correndo e quase perdeu o ônibus?

— Você não imagina. Estou vindo do casamento de minha filha. Estou voltando hoje porque tenho que cuidar dos bichos lá no sítio. A minha mulher e o meu filho ficaram, retornam outro dia. Nossa, que sufoco! Eu achei que ia acontecer alguma tragédia, mas tudo correu bem. Minha mulher ficava sempre falando que tudo ia correr bem e eu não acalmava.

— Mas porque Silveira? Você estava esperando alguma desgraça? Teve algo estranho com o casamento de sua filha? Algo errado?

— Não! Nada disso. Eles formam um bom casal e o rapaz é trabalhador já é dono de sítio e de um bom número de cabeça de gado.

— Então amigo? Você estava preocupado com o que? Aquieta! Nada de ruim vai acontecer.

— Sei não amigo. Acho que algo ainda vai acontecer? Você não sabe da história, mas quando essa menina nasceu, 20 anos atrás foi o maior fuzuê.

— Eu não conheço a história. Você poderia contar, pois ainda temos umas 4 horas de viagem nesse ónibus que balança tanto que nem dá para tirar uma soneca.

— Então tá, não é muito longa não. Logo quando casei, eu e a Maria José mudamos para aquele sítio onde ainda moramos. Eu consegui comprar, com a ajuda do meu pai e de meu sogro. Era bom, pois ficava na mesma comunidade que o sogro e assim ficava fácil em visitar os velhos.

— Sei... Seu sogro mora a dois carreadores do meu sítio. As casas no fundo, perto do riacho, ficam bem próximas uma da outra.

— O Rogério, meu primogênito, quando nasceu não teve muitos problemas não. A Maria estava na cidade na casa de uma tia e então para levar para o hospital foi mais fácil.

— Certo. Lá na comunidade as estradas não eram muito boas não. Parece até que o prefeito só lembra que tem gente morando lá perto das eleições.

— O problema, não foi um problema!!!  Foi um fato engraçado que hoje rimos muito. Mas quando aconteceu não foi tão engraçado assim.

— Aconteceu alguma coisa de ruim quando Mariana nasceu? Eu não sabia.

— Então! Eu tinha combinado com o Severino para quando fosse a hora do menino nascer ele levasse Maria José para o hospital. O Severino tinha um fusca verde. O carro não era assim tão bom, mas ajudava muito.

— Eu lembro do fusca verde do Severino. Vi várias vezes com ele na igreja.

— Então. Numa noite em que o tempo estava para chuva. Chuva forte com vento. A Maria já estava planejando para a gente ir para a cidade naquela semana mesmo. Era segunda feira e a gente tinha combinado com o Severino que íamos na quarta-feira. Mas a Maria estava sentindo as dores, e essas dores estavam aumentando.

— Nossa! Então o negócio estava apressado?

— É... Parece que as coisas estavam acontecendo tudo ao mesmo tempo. Aquele chuvão que chega e não chega. O chiqueiro que estava destelhado e tinha uma porca, dessa grandona que ganhei do meu sogro. A porca estava prenha e parece que os porquinhos iam nascer naquela noite. 

— O que é isso Silveira? É complicação que não acaba mais!

— E tem mais João, não estou nem na metade da história. Parece que o ônibus vai fazer uma parada ali na venda. Vamos descer para forrar o estômago?

— Que bom! Preciso esticar as pernas um pouquinho também. Um café e uma coxinha vão fazer bem.

Desceram na venda do libanês. Vários passageiros fizeram fila na porta do banheiro. Os dois amigos encostaram-se ao balcão e pediram um café e uma coxinha para cada um.

— Estão dizendo que as produções de café por essas bandas estão fraquejando compadre João.

— É. Isso logo acaba e vira tudo pasto ou soja que está vindo por aí.

O tempo da parada foi o suficiente para descarregar algumas tralhas de quem ficava naquele recanto, subir outras que ia para a vila e do motorista e cobrador tomar um café reforçado.

Os amigos sentaram em suas poltronas e em poucos minutos, mal o ônibus fez a primeira curva, João que estava curioso para saber o desfecho da história cutucou o amigo.

— E então Silveira? Como findou a história do nascimento de Mariana? Estou é me coçando de curioso.

— Eita! João, a história é de toda engraçada. Onde eu parei mesmo? Ah, sim. Agora lembro.

— Então vamos lá! Conta compadre!

— Eu sei que eu pus uma placa de latão do tamanho de uma telha de Eternit no canto em que estava a porca e fique ali assuntando se realmente viesse uma ventania aquela placa ia para dentro do chiqueiro. Amarrei com uma corda e minha mulher já estava gritando lá da cozinha para chamar o Severino afim de levar a gente para o hospital.

— Então o Severino que levou vocês para o hospital?

— Era. Era, mas não foi. Eu peguei a bicicleta e pedalei o mais depressa para a casa do Severino avisá-lo que já era hora. Mas quando cheguei na chácara dele aconteceu algo estranho.

— Estranho? Não vai dizer que tem mistério nessa história.

— Sabe! O Severino tem lá uns cachorros bravos. Mas toda vez que eu ia lá eles me tratavam bem. Eram uns cachorros mansinhos comigo. Não é que naquele dia. Justo naquele dia eles encresparam comigo e avançaram. Tive que subir na goiabeira em frente da casa do Severino e gritar para o povo me acudir.

— Nossa compadre, que azar heim? O que deve ter acontecido com os cachorros?

— Não sei compadre. Mas não se apresse que tem mais coisas pela frente. A Dona Sabina, mulher do Severino apareceu na porta e expliquei para ela ainda na goiabeira. Ela retirou os cachorros e me deu uma notícia que não foi lá muito boa. Aliás, nada estava sendo bom naquela noite.

— E qual foi compadre?

— Ela falou que o Severino foi à casa do filho e não voltaria naquela noite e deixou o carro ajeitado para mim, pois sabia que ia precisar. Ela disse isso já me entregando as chaves. Não me entregou os documentos. Acredito que o carro estava irregular.

— Eita. Esta história está tão interessante que parece um filme. Então compadre? Você pegou o fusca verde e partiu?

— É... Era o jeito né? O pior é que eu não tinha carteira de motorista e não tinha prática em dirigir, ainda mais para dirigir no centro da cidade.

— Nossa compadre! Mas quando a necessidade aperta a gente se esforça e dá tudo certo, não é?

— Tive que ir em frente não é mesmo? Então eu tirei o fusca de lá e retornei para casa. Tinha que passar no sogro, deixar o guri lá, pegar a sogra que teimava em ir junto e seguir para a cidade.

— A sogra foi junto? É bom que ajuda bastante, não é?

— Ajuda compadre. Ajuda! Mas você não imagina o que eu tive que ouvir até chegar ao hospital. A velha reclamava e me chamava de barbeiro. Que eu não desviava dos buracos. Era todo tipo de reclamação que dava vontade de dar o volante para ela levar o carro.

— Mas você não fez isso não né compadre?

— Claro que não! Já pensou se ela dirigisse melhor do que eu? Que humilhação.

— E aí? Correu tudo bem no hospital e o nascimento?

— Nem tanto compadre! Nem tanto! Até no hospital teve treta.

— Nossa! E como foi? Mas a menina nasceu bem? Não foi?

— Sim ela nasceu bem, saudável e linda. Mas eu lhe disse que estava um chuveiro daqueles. Então, para chegar ao hospital já foi uma dureza. Eu não quis passar pela avenida grande porque tem um posto policial ali. Eu sem carteira e sem documentos do carro. Fui pelas laterais e foi só buraco. Minha sogra ficou mais inquieta do que já estava. Quis até acender uma vela e rezar ali mesmo dentro do carro. Imagina que ela anda com um pacote de velas e fósforo dentro da bolsa. Acalmei a danada e estacionei em frente ao hospital.

— Até que enfim não é compadre? Agora ela estava nas mãos dos profissionais.

— É compadre até que enfim um descanso para o carro e para a sogra, pois tem mais coisa ainda.

— Eita nossa! Que coisa hem?. Então conta compadre, estou curioso.

— Então! Minha sogra queria porque queria ajudar no parto. E foi... Mas a chuva danou a cair, com vento e trovão. Foi que acabou a energia e minha sogra acendeu duas velas. Colocou uma no batente da janela e não é que incendiou a cortina. Foi uma gritaria danada. Foi uma correria para apagar o fogo. Depois foi tranquilo e Mariana nasceu.

— Nossa compadre! Foi um perrengue danado heim?

— Então compadre! Isso foi há vinte anos e ontem foi o casamento de Mariana. Minha menina que deu trabalho. A menina que corria pelos cafezais. Que estudou e agora tem uma profissão. Aí eu penso compadre, foi um perrengue mas valeu a pena.

 

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