PAPA VEM...
Com séquito e incenso,
Perfume de santo e sapato vermelho.
Traz promessa nos olhos
E silêncio nos joelhos.
PAPA VAI...
Deixa beijo na testa da fome,
Mas a fome continua.
Deixa bênção nas praças,
Mas quem cura a rua?
PAPA FALA...
Discursos dourados, latim decorado,
Palavras que sobem,
Mas não descem pro telhado rachado.
Do pobre.
Do preto.
Do preso.
Do prostituído.
Do povo esquecido.
PAPA OUVE...
Mas escuta o quê?
O sino ou o gemido?
A multidão de Roma
Ou a solidão do abrigo?
PAPA ORA!
Sim, ora!
Mas ora em que língua?
No latim da catedral
Ou no sussurro da senzala?
PAPA É PAI...
Mas pai de quem?
Do menino que serve a missa
Ou do menino que serve a esquina?
PAPA CANTA!
Mas o canto não chega à favela,
Nem à cela,
Nem ao campo de guerra.
Canta missa,
Mas não escuta a pele preta que clama justiça.
PAPA ENSINA...
Mas Cristo aprendeu com o povo,
E não com o trono.
Com a poeira,
Não com o ouro.
Com a dor,
Não com o dogma.
PAPA VEM...
PAPA VAI...
E Cristo?
Cristo fica.
No chão, na lama,
Na lágrima que escorre da mãe abandonada.
Na reza sem vela,
Na fé sem igreja,
No pão dividido em silêncio.
O PAPA VEM... O PAPA VAI...
Mas o Cristo dos humildes
Nunca foi embora.
Nunca teve Vaticano,
Nem coroa,
Nem trono.
Ele andava descalço.
E ainda anda.
Nos pés de quem caminha pela justiça,
Na voz de quem reclama,
Na vida de quem resiste.