Cícera
Poemas | Antologia Josivaldo Santos e convidados - Exalando poesia | Adelia Stedile de MatosPublicado em 09 de Junho de 2024 ás 10h 48min
CICERA
Tenho preconceito, não!
Quero mais é envelhecer
Comer Matrinchã com farofa
E Licor de Pequi beber
Na beira do Rio Teles Pires
Me deito pra descansar
Ouvindo a multi passarada
Depois é que vou me esbaldar
Prô bar é que vou entrando
Prá encher o caco sim
Ver pescador doidinho
Jogando beijos pra mim
Cícera sou eu pensando
Cícera sou eu no roçado
Também sou eu na barranca
Tentando içar meu pescado.
Com um sorriso nos lábios
Meu gingado na a canoa
Pescador assobiando
A me chamar: “gente boa”
Com o tal peixe pintado
Faço um frito e um caldinho
Deixe de tanta bobice
Não preciso de seus carinhos
Tem também velho piduncho
Garganteando de machão
Faço correr esperneando
E largo com as calças na mão
Chuchu que trepa na cerca
Não se arrasta pelo chão
Abra teu olho, forasteiro
Não é teu meu coração.
Nas sevas que o povo instala
Eu, Cícera, pesco um montão
Separo pra mim os grandes
Faço logo meu pirão.
Toda mulher tem em casa
No seu quarto um lindo espelho
Jogo a isca e passo o rodo
Pra você, cartão vermelho.
Ainda vou te ver chorando
Por falta de alguém pra amar
Cace o rumo da estrada
Antes que eu vá te alcançar.
Pescador vá se embora
Eu vou tomar meu café
Se escafede, se esconda ou some
Vai caçar outra muie
Minha tarrafa é antiga
Do tempo do Ari Pistola
Vou pegá meu trinta e oito
Eu não preciso de esmola
Agora vê se me entende
Eu não quero repetir
Eu te dou cinco minutos
Pra você daqui fugir
Já enjeitei os agrados
De muito homem ricaço
Sou bonita, gostosa e disposta
Não vou te dar nem abraço.
Aquela mocinha nova
Passando ali pela Usina
Não é páreo pra mim não
Cuidado, vai entrar na turbina
Sou a Cícera, não peço licença
Sou briguenta e sem medida
Não me assusto com a noite
E nem faço despedida.
Já é noitinha eu me vou
Levando comigo o topete
Muitas lembranças gostosas
Um pouco de vinagrete
Em casa sonho rolando
Nas folhas secas do chão
Acordo e vejo um moço
A me chamar no portão.
Velho que quando jovem
Muita lambança aprontou
Agora, careca ou grisalho
Nem lembra de quem te amou.
Tudo, tem o seu preço
Você precisa pagar
Deixe de lero, lero
E de se fragilizar
Me balançando na rede
Passeando no jardim
Visitando meu pomar
Na horta com meu Aladim.
Eu sou mulher que trabalha
Você um galanteador
Sua vida cheia de espinhos
A minha cheia de amor.
Cícera mulher aguerrida
Verdadeira, alegre, diferente
Que marca o espaço onde passa
E deixa saudade na gente.
Adelia Stedile de Matos