— Não sei se o acaso existe, mas se ele existe deve ser muito bem planejado.
— Desculpe-me, não entendi!
— Você acredita em acaso? Perguntei novamente, e aquela conversa se estendeu por um eterno momento, com muitas afinidades e afeições. Mas, o que há de se fazer a ocasião permitia.
Era uma tarde chuvosa tão comum nos meses de janeiro. Eu voltava de uma viagem de trabalho e a minha conexão não teria como prosseguir devido ao mau tempo. E bem diante de mim uma jovem na mesma situação, aparentando um pouco ansiosa, tentando disfarçar mexendo no celular, ou lendo um livro sobre relacionamentos.
Percebi o desapontamento de uns, a revolta de outros quando os funcionários da companhia aérea nos comunicaram que a nossa conexão só seria possível na manhã seguinte. Já fui muito mais explosivo, e em outro tempo me revoltaria como muitos fizeram, como se argumentar a urgência ou a pressa em chegar ao destino fizesse os funcionários ter alguma comunicação do São Pedro e mudar o tempo. Diante de situações que não se pode mudar, aceitar é uma atitude no mínimo acertada. E assim segui ao hotel não tão próximo ao aeroporto, já reservado pela companhia aérea.
Ser tolerante ou flexível é novo para mim, para falar a verdade tenho gostado da sensação.
Há seis meses estava em um relacionamento turbulento. Foi um relacionamento bom no primeiro ano; acho que estávamos nos conhecendo, só que quando a gente se conheceu acredito que não gostamos do que vimos. Eu um representante comercial, viajava muito promovendo a venda e a distribuição de produtos alimentícios. Nada milagroso daqueles que servem apenas para comer, se oferecer juventude eterna e nem felicidade e prazer. E, ela uma jovem arquiteta sonhando em promover a beleza no concreto, e concretizar as finanças para uma vida segura.
Penso hoje que segurança foi o que nos faltou. Afinal, ficamos depois do primeiro ano feliz, três longos anos juntos com pouco amor e muito atrito, um pouco de infidelidade e uma sobra de acomodação. Eu acreditava que não viveria sem a sua presença, mesmo a sua presença sendo insuportável.
Depois de alguns meses do término do noivado me vi melhor, e melhorei com o tempo como meu psicoterapeuta sempre falava:
— A paciência é uma virtude.
Comecei a me sentir virtuoso e por isso hoje aceito uma chuva, e não reclamo com aqueles que não podem mudar os fatos.
E naquela noite o acaso fora ainda mais bondoso comigo. Devido a lotação do restaurante do hotel, tive que dividir uma mesa com a jovem que tanto observei no saguão do aeroporto.
— Eu penso que o acaso é muitas vezes bem planejado.
— Apenas acho que acaso é acaso. Tudo pode acontecer sem nenhum planejamento. – Me falou ficando um pouco mais tranquila.
Depois desse jantar planejamos muitos acasos. Quando possível nos encontrávamos, e casualmente ficávamos e conversávamos.
E de uma coisa tenho plena certeza! O nosso caso fora casualmente muito bem planejado, primeiramente pelo destino e depois por nossos compromissos descomprometidos.
Publicado em:
Leite, Manoel Rodrigues. Emoções Tatuadas. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2020