A vida não tinha sido fácil para Renata. Mas isso não é o que ela tinha em mente. O que ela queria era uma oportunidade de recomeçar e esquecer, principalmente esquecer. E foi exatamente essa oportunidade que ela sentiu quando chegou em uma tarde chuvosa em Brasiléia no estado do Acre. Havia algumas malas, pouco para se dizer que era mudança. Todavia, era muito para carregar e procurar um hotel. Não tinha nenhum compromisso urgente, então resolveu esperar o desembarque completo dos passageiros enquanto se dirigia a lanchonete da rodoviária.
O dia era chuvoso uma boa xícara de café combinaria mais, no entanto preferiu pedir uma água com gás calmamente como se tivesse todo tempo do mundo. Ou ainda como se agora tivesse um tempo antes não vivido. Viu as pessoas se deslocando apressadamente e consequentemente os taxis – poucos por sinal, pouco a pouco diminuindo. Depois de uns vinte minutos viu um taxi voltando a seu ponto. E, decidiu que era hora de ir para um hotel.
— Taxi, por favor! — Com um leve aceno o chamou, mostrando que necessitava ajuda com as malas.
— Boa tarde senhora! Para onde desejar ir?
— Eu gostaria de um hotel próximo ao centro que receba hóspede por mês, ou se tiver uma pensão.
— Sim tem as duas possibilidades. Se quiser hotel recomendo o City é bem tranquilo e muitos viajantes ficam lá. Mas se quiser uma pensão tem a Pensão Florescer que fica do outro lado da praça. Acho que irá gostar.
— Vamos para a Pensão Florescer. Gostei do nome. — Falou de maneira alegre, prestando mais atenção para fora do que para dentro do veículo.
Durante todo o percurso, ficou olhando para fora do veículo. Nem admirada, nem encantada, um olhar atendo como se estivesse criando um mapa mental de todo o trajeto. Como se necessário a qualquer momento pudesse retornar pelo caminho feito.
— A senhora não é muito de usar o celular! — Exclamou o taxista.
— Como? — Renata falou de reflexo sobre a indagação feita.
— Não quis ser intrometido, apenas observei que a senhora não fica mexendo no celular. Isso é raro hoje em dia.
— Sim. Já fui mais. Hoje tenho outas prioridades.
— Chegamos, Pensão Florescer. — Disse o taxista apontando para uma casa branca, com detalhes em verde e lilás. E, uma pequena placa próxima ao portão indicado que era ali mesmo a pousada. Certamente, pedestre um pouco mais distraídos não teriam notado aquela indicação.
As malas foram deixadas na recepção e ela pegou o cartão de visitas do taxista, caso precisasse de outra corrida.
Registrou-se e fora para o seu quarto. Afinal de contas mesmo estando sem pressa, precisava descansar, a viagem fora longa e percorrera de um lado ao outro do país. Tomou um longo banho, e dormiu por algumas horas, foi mais um esticar o corpo do que um sono totalmente reparador. Quando acordou já era 20:00 horas, lembrou que precisava jantar. Se aprontou e foi pegando celular quando pensou duas vezes.
— Pra que levar o celular se não tem ninguém para ligar? — Deixando o celular na gaveta do criado mudo.
Perguntou sobre restaurantes na proximidade e resolveu caminhar. Afinal, pela descrição teria mais de uma opção a poucas quadras dali. Jantou sozinha olhando as pessoas ao seu redor utilizando o celular, bebendo, se alimentando e muito raramente interagindo com ou outros em sua mesa. Mas, tudo bem isso não era da sua conta, não a incomodava. Apenas vinha a lembrança de que também agira assim por muito tempo. Mas, ela não estava ali para pensar. Na verdade, o que ela mais buscava era fugir de seus pensamentos. E, talvez por isso procurara uma cidade tão distante, e, para ela totalmente desconhecida.
De volta a pousada ligou a tv na busca de distração. Não procurava nada específico, apenas a constante mudança de canal. Até que se deteve em um filme que tinha dragões, lutas e feiticeiros e se passava na idade média. O filme já passara algumas cenas, mas ficou curiosa. É difícil entender um filme quando não se acompanha tudo desde o início. Mas tudo bem, a vida é assim mesmo.
Naquela noite Renata dormiu embalada ainda pelo cansaço da viagem, o filme que assistira e lembranças de sua vida que procurava esquecer. Sonhou que era uma guerreira que conversava com os dragões. Estes tinham roubado algo muito valioso para ela, e em sua jornada a vingança alimentava e dava sentido a sua vida. Em muitas partes do sonho se via acorrentada, pedindo ajuda para alguém que ela não via. Mas sempre a socorria. Foi assim boa parte da noite, até que o cansaço tomara conta de tudo e nem os sonhos se ouvia.
No dia seguinte tomou o café da manhã, e foi andar a esmo. Era domingo e o seu único compromisso era na segunda-feira. E a sua razão de estar ali.
Na segunda-feira levantou mais disposta, e logo cedo se aprontou e dirigiu-se a Secretaria de Educação do Município, era um prédio pequeno anexo a prefeitura municipal. Se informou onde ficava a coordenadoria educacional, e se apresentou como a nova professora de educação física.
— Bom dia! Meu nome é Renata e acredito que foi contigo que conversei sobre a vaga de professora de educação física. — Falou de maneira segura e firme, causando uma boa impressão, não uma boa impressão forçada. Mas uma presença até certo ponto impositiva, algo que já era habitual em sua vida.
— Sente-se meu nome é Robério. Sim, foi comigo mesmo que você conversou. — Apontando a cadeira a sua frente.
Robério continuou:
— Está tudo certo, afinal não faria sentido vim de tão longe se não estivesse. — Ele sorriu e deu uma pequena pausa, como se quisesse que Renata expusesse os motivos se se candidatar a uma vaga tão longe de sua cidade. Mas, ela sabia como lidar com tais situações, quando ela não queria se expor ninguém conseguia extrair informações dela.
Ela sorriu discretamente para não parecer rude. Ficando em silêncio a fim de que seu interlocutor mudasse de assunto. O que este não teve outra escolha se não orientá-la sobre os tramites de contratação, que já estava tudo encaminhado. Após diversas conversas amenas, e explicações comuns a função Renata foi encaminhada para escola de lotação. Como é comum em cidades pequenas a cordialidade e acolhimento tão comum para eles, podem muitas fezes soar estranho para quem vem de uma cidade grande. E, é exatamente assim que Renata se sentiu quando Robério chamou o motorista da secretaria para acompanhá-la e levá-la a escola. Ela até pensou em dispensar, mas percebeu que poderia estar sendo rude com aquela cortesia.
Quando Renata e o motorista Josué chegaram na escola Chico Mendes era exatamente no intervalo das aulas. O som era quase que ensurdecedor, para quem estava aparentemente tão calma transpareceu um pouco assustada.
— Com o tempo se acostuma. — Disse Josué tentando acalmá-la ou simplesmente se conformar com a situação.
— Tudo bem isso não me incomoda. — Falou Renata como se quisesse esconder o desconforto daquela primeira impressão. Talvez fosse verdade, o som das crianças e jovens no recreio não a incomodava, o que mais a incomodava nos últimos tempos era a sua voz interior, os seus pensamentos que tinha dificuldade em silenciar. E, quem sabe toda aquela algazarra não serviria para tirar o foco dos sons em sua mente.
— Vamos para sala dos professores. A diretora está lá. — Disse Josué.
Na sala dos professores viu pessoas apressadas, conversando ou teclando. Mas visivelmente apressadas. Na lateral da sala próximo a garrafa de café, entre as pessoas se destacava uma senhora bem distinta de seus quarenta e poucos anos, com óculos de armação dourada, e, uma camiseta polo de uniforme bordada Elizete Diretora.
— Diretora essa é a professora Renata, ela será a nova professora de educação física.
Começava ali oficialmente o meu primeiro contato com aquela escola, com aquelas pessoas que influenciariam imensamente esse novo momento em minha vida.
Publicado em:
Flor, Dolores (Org.) Antologia de Escritores Contemporâneos: contos volume 09 Ingrid Mohr e convidados. Sinop – MT: Ações Literárias Editora, 2021