Café Quente e Boas Fisgadas
Contos | Metade Dita, Metade Sentina : Contos. crônicas, cartas, poemas e confissões que talvez fossem suas. | Silvia Dos Santos AlvesPublicado em 12 de Maio de 2025 ás 21h 43min
O despertador tocava estridente às quatro da madrugada, um chamado quase militar para a nossa aventura anual no Rio dos Peixes. Mas para nós, não havia nada de obrigatório ali, só a doce antecipação de mais um dia de risadas e boas fisgadas em família. A casa se acendia aos poucos, cada um tateando no escuro em busca das suas tralhas de pesca, a ansiedade borbulhando em cada bocejo matinal.
Na carroceria da velha caminhonete, os molinetes já estavam a postos, como soldados esperando o comando. As caixas de iscas coloridas e cheias de promessas. E, claro, a fiel garrafa térmica, exalando o aroma reconfortante do café quentinho, preparado com o carinho de sempre para espantar o frio da manhã e nos dar energia para a jornada.
A viagem era uma cantoria animada, cada um contando suas expectativas para o dia. Chegando à beira do rio, a neblina matinal ainda dançava sobre as águas calmas, criando um cenário mágico. Mas a magia logo se dissipava com o frenesi de montar os equipamentos. Em instantes, éramos uma legião à beira d'água, cada um com sua vara em punho, lançando as linhas na esperança da primeira fisgada.
E as alegrias não demoravam a chegar! Cada peixe que vinha para a margem era motivo de festa. "Até que enfim!", gritava um, aliviado. "Esse é menor que o meu, viu?", provocava outro, com um sorriso vitorioso. A competição sadia era parte da diversão, um tempero a mais naquele dia especial.
De repente, o grito empolgado da minha irmã cortava o ar: "Peguei o pai de todos!". Era um alvoroço só! Mamãe e papai corriam para ver, os cunhados e sobrinhos se aglomeravam curiosos. Éramos tantos à beira do rio, cada um vibrando com a conquista, querendo dar o seu palpite, registrar o momento com fotos e risadas.
Mas a cereja do bolo, o momento que invariavelmente nos fazia soltar gargalhadas sonoras, era quando papai fisgava um peixe graúdo e, na emoção da briga, acabava perdendo-o. O gemido teatral dele era inconfundível, seguido pela sua frase clássica, dita com uma falsa indignação: "Ó coiso! A gente vem no rio pra desesterçar e esterça mais ainda!". Era impossível não rir da sua cara de frustração bem-humorada. Papai tinha esse dom de transformar qualquer percalço em motivo de alegria. Mamãe, por sua vez, com sua paciência e jeito certeiro, também não ficava atrás na arte da pesca.
O tempo voava entre as fisgadas, as conversas animadas e as brincadeiras de papai. Ao final da tarde, a velha caminhonete nos acolhia novamente, agora carregada de peixes e de uma felicidade contagiante. O cansaço físico era facilmente superado pela alegria das conquistas e, principalmente, pela união da nossa família. E nada se comparava ao sabor daquele peixe frito, preparado com o frescor da nossa pescaria e o tempero especial das lembranças de mais um dia perfeito no Rio dos Peixes.
Livro: FRAGMENTOS DO PASSADO