AUTOBIOGRAFIA EM CORDEL

Cordel | Maria de Fátima da Silva Duarte
Publicado em 25 de Junho de 2022 ás 15h 09min


 Primeiro agradeço a Deus
Grande autor da criação
Pelas graças recebidas
E também pela missão
Pelas  lutas e conquistas
Dentro da educação
II 
Nasci no interior 
Num barraco beira chão
Piso de terra batida
Barro amassado na mão
Duma família bem pobre
Coberta de precisão.
III 
Minha mãe dona de casa
Trabalhadora e honesta 
Vendo os filhos com saúde
Tudo parecia festa
Mas quando estava nervosa
Tinha uma ruga na testa
IV 
Pedir para os companheiros
Que não fiquem chateados
Pois essa história que conto
Não é um caso inventado
Falo da realidade
Tudo como foi passado. 

V
Sendo eu filha caçula
Da prole de seis irmãos
Apenas dois deles homens
O orgulho e satisfação
As outras todas mulheres
De tristeza era a razão. 
VI
Apesar de sermos pobre
Havia muita fartura
Muita comida na mesa
Trazida da agricultura
Sempre tinha um prato cheio
Para  qualquer  criatura.
VII
Porque é muito difícil
Contar nosso dia a dia
Também acho complicado
Registrar alegoria
Os teóricos chamam  isso
De auto-biografia.  
VIII
Meu pai um homem franzino
Mas muito trabalhador
Lutava contra o destino
De todo o agricultor
Que no nordeste se acaba
E que nunca tem valor. 

IX
Nossa casa era bem grande
Tinha uma enorme varanda
Onde meu pai á noitinha
Depois de toda demanda
Sentava com a família
Senão a coisa desanda. 
X
Acontece que nas noites
De a gente fazer serão
A família reunida
Para debulhar feijão
Ali se contava casos
História de assombração
XI
Nesse momento meu pai
Pedia pra meu irmão
Deixar de lado o serviço
Fazer a animação
Pegar um cordel pra ler
Pra alegrar o serão.
XII
Naquela  época cordel
Se chamava de romance
A única literatura
Que tinha ao nosso alcance
Ouvida com atenção
Para não perder a chance. 

XIII
O romance era lido
Para todo mundo ouvir
Mesmo estando trabalhando
Servia pra divertir
De acordo com a história
Gente rolava de rir. 
XIV
Não era só nessa hora
Que se ouvia cordel
Havia em todo nordeste
Uma platéia fiel
Para assistir cantoria
Com violeiro e bedel.
XV
A cantoria acontece
Com a presença do artista 
Na sala nobre da casa
Onde o cantor repentista
Faz honras aos convidados
E agradece a visita
XVI
Foi assim nesse ambiente
Que eu aprendi a ler
Era o sonho de meu pai
Ver um filho escrever
Uma carta e ler outra
Sem o assunto esquecer. 

XVII
Meu primeiro dia de aula 
Foi uma grande alegria
Ia correndo pra escola
Só pensando na folia
Mas quando entrei na sala
Já foi me dando arrelia. 
XVIII
O professor era um cabra
De dois metros de altura
Tão magro quanto uma vara
Olhando com cara  dura
Um aspecto tenebroso
Sem um sinal de ternura.
XIX
Como criança guardei
Esse quadro na memória
O mostro atrás da mesa
Com a mão na palmatória 
Os alunos em sua frente
Com os seus livros de história. 
XX
Meu pai havia comprado
Uma carta de ABC
Que não tinha uma figura
Um desenho pra se ver 
O alfabeto era preto
E tinha que aprender. 

XXI
 Eu olhava aquelas letras
E começava a tremer 
Os alunos liam alto 
Eu não consegui ver
Qual era o nome da letra
Que poderia dizer. 
XXII
Naquele dia pensei 
Que não ia conseguir
Falar o nome das letras 
Para o professor ouvir 
Então eu rasguei a folha
Mastiguei e engoli.
XXIII 
Assim passei a semana 
Indo a escola e voltando
Meu pai comprava o livrinho
Eu todo dia rasgando 
O meu medo ia crescendo 
E o tempo ia passando. 
XXIV
Então meu pai resolveu
Que eu não ia estudar
Porque não adiantava
Comprar livro pra eu rasgar
Eu que não sabia nada 
Brincava de ensinar. 

XXV
Via a noite meus irmãos 
Fazendo a lição de casa
Todos em volta da mesa 
Com uma luz muito escassa
Enquanto eles escreviam
Eu tentava a rabiscar. 
XXIV
Meu irmão lia a história 
De um velho carpinteiro
Que dava às ferramentas
O seu nome verdadeiro
Conforme sua função
No oficio o dia inteiro.
XXV
O velho era mestre Zuza 
Disso eu me lembro bem
O martelo toc -toc 
O serrote vai e vem
Que conforme ele dizia 
Não emprestava a ninguém.
XXVI
Ouvia muitas histórias
Lidas pelos meus irmãos 
Quando faziam tarefas
Ou nas noites de serão
Todas elas ajudaram 
Na minha educação. 

XXVII
Quando completei 6 anos
Já lia algumas lições 
Fazia as cartas dos sonhos
Do morador dos sertões
Também já lia os romances
Que eram ouvidos nos serões
XXVIII
Meu pai ficava orgulhoso
Me vendo pequenininha
Sentada em cima da mesa
Pertinho da lamparina
Lendo a história da princesa
Do reino da pedra fina.
XXIX
Quando voltei pra escola 
Era fera da leitura
Lia escrevia e contava
Com grande desenvoltura
Mas se visse a palmatória
Tremia na estrutura. 
XXX
Lembro do último texto
Duma Cartilha do Povo
A mesma que no começo
Tinha, Eva viu o ovo!
Aprendi aos cinco anos
E posso escrever de novo.

XXXI
“Já sei ler corretamente
Faço contas de somar
Sou batuta em dividir 
Gosto de multiplicar.”
##############
“Se mamãe me der um doce
Na hora de merendar 
Acabo comendo três
Com sei multiplicar!“
##############
“Quando a professora escreve
No quadro negro da escola
Leio até de olhos fechados
Paulo corre atrás da bola.”
XXXII
Fui crescendo e estudando
Com muita dificuldade 
Morei na roça, no sitio
No garimpo e na cidade
Mas o maior sofrimento
Foi cursar a faculdade.
XXXIII
Já trabalhei de doméstica
De babá, de lavadeira
Mas persegui o meu sonho
A minha opção primeira
Ser professor efetiva
Com progressão de carreira. 
XXXIV
Na minha graduação
Trabalhei com cordel
Pesquisei sua estrutura
De modo claro e fiel
O que pra uns é difícil
Pra mim é sopa no mel.
XXXV
Como Cordel tem seis versos
De uma cadência rimada
Meu nome dá uma estrofe
De maneira organizada
Eu aumentei o cordel
Pra rima ficar fechada. 
XXXVI
Falei da minha maneira
Á todos que queiram ouvir
Tenho certeza que um dia 
Inda vou me divertir
Muitos estão aprendendo
A ler e a produzir. 
XXXVII
Como é muito demorado 
O aluno internalizar
Rimando verso e estrofe
De acordo o que vai narrar
Estou á disposição
Livre pra lhes ensinar. 

Comentários

Divertida sua história e mui digna sua arte poética! Parabéns!

Enoque Gabriel | 25/06/2022 ás 17:55 Responder Comentários
'

Olá! Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo. Ao utilizar este site, você concorda com o uso de cookies.