Tão perfeito é, ao primeiro olhar, o caminhar de outrem...
A gente coloca as lentes da ilusão, e por essa ótica a vida alheia parece tão sem defeitos...
Da sacada e da janela, é possível contemplar lá na grama verde do vizinho, o casal apaixonado, a casa bem construída e até sentir o cheiro de comida boa vindo de lá! Tem lençol branquinho estendido no varal, e piscina bem azulzinha no quintal...
Ninguém repara e nem enfatiza a panela vazia, a noite solitária e nem a rotina desbotada e enfadonha e desgastante...
Nas mídias tudo é belo, ideal, encantador e primoroso...
Tudo parece melhor olhando daqui, do alto dos ilusórios filtros, postagens, stories e fantasias... Só tem sorrisos, viagens, rostos maquiados, corpos bem esculpidos e photoshopados.
A gente não compartilha lágrimas, e nem as enxaquecas.
O mau humor não dá likes, nem os conflitos, ibope.
No dia mal, apenas o silêncio.
Parece que nem existimos fora das premissas do dia bom.
Então nos reclusamos esperando dias melhores que mereçam exposição.
E a solidão vira companheira, mesmo cercados de multidões de expectadores, conhecidos, seguidores...
Afinal, os excessos de julgamentos e críticas só fizeram com que o normal parecesse ser atípico, incomum, uma aberração!
A verdade das palavras duras que trocamos em 04 paredes fica ali encerrada.
A incongruência da extenuante rotina de trabalho, que representam em 99% do que na verdade somos, não aparece. Apenas o 1% diluído que nem de longe faz jus e nem representa quem somos, é diluído demais!
Não há nada errado em exaltar o belo!
Mesmo que o exterior não represente com fidelidade o que vai dentro, no íntimo; não tem nada errado aí...
Afinal, em que século o feio teve fama?
O bonito é que sempre foi exaltado, desde os primórdios...
Mas antes, a gente admitia com mais facilidade o comum e o esquisito que habita em nós.
Parecia não haver tanto dedo em riste, nem tanta opinião cruel.
Agora parece que o comum e o normal viraram derrota...
Hoje, na doença, na dor e no luto, apenas a reclusão, o silêncio e o choro baixo.
Não compartilhamos o medo, nem o sofrer, nem o adoecer.
E assim, vamos todos esquecendo que fora dos holofotes, e quando uma jornada de trabalho se encerra, existem os bastidores, e deles consiste nossa vida real.
Mesmo assim, criamos tanto faz de contas...
É um faz de conta que a vida é perfeita, é um faz de conta que está tudo bem...
É uma ilusão sem fim...
Nada errado em querer exaltar o belo, apenas
não podemos deixar de lembrar, que o dia mal chega pra todos.
Que o feio também é real e que mesmo não sendo aceito, todos nós temos nossas amarguras, segredos e desilusões. Temos manchas, escaras, e uma deformidade , só que bem escondidas!
Nossas anomalias ficam bem ocultas debaixo dos tecidos seda, escarlata e brim...
Mas estão lá!
Todos temos a memória aturdida por um amor não correspondido, um sonho não realizado, uma aquisição inacessível, uma carreira frustrada e uma fantasia utópica... Todos nós lutamos com um vício que nos subjuga...
As conclusões a que chegamos lendo a vida alheia pelas linhas falsas das rebuscadas fotografias coloridas, não passam de premissas, pressupostos.
São apenas assumptions...