As fotos de Luiz

Contos | Valter Figueira
Publicado em 08 de Setembro de 2022 ás 18h 51min

 

 

Lourdes a mais experiente dos quatro novos antigos amigos que se acabaram de conhecer começou a contar a história de seu irmão Luiz.

Luiz Carreiro, um jovem de cabelos quase louros, com um nariz pontudo que quando colocava óculos escuros redondos ficava muito parecido com o John Lennon, era um galã, tímido com as mulheres, era cunhado e braço direito de Anselmo Borges na loja de materiais de construção, isso significava um certo sacrifício, mas ganhava bem para isso. Sempre viajava para os garimpos, as vezes de camioneta e poucas vezes de avião. Ao preferir se deslocar de camionete tinha a oportunidade de chegar até os barracões que se distanciavam das pistas e poderia levar muito mais peso do que o avião. Quando ia de avião, o seu deslocamento entres os vilarejos era feito de carro alugado o que tornava caro e diminuiria o lucro das mercadorias.

A vida é dura dizia Anselmo para Luiz, que respondia com a maior sinceridade. Dura é a vida daqueles garimpeiros que vejo lá no meio da lama. Esforçam tanto, dão a saúde em troca de um pouco de ouro e quando recebem um pouco mais, não sabem o que faz e acabam gastando com supérfluos, tenho dó deles. Quando passo a noite lá ouço cada história horripilante, você não imagina. Quando tiravam o tempo para contarem histórias que ouvem ou vivenciam no garimpo os encontros iam por noites adentro. Era mais histórias que garimpeiros contavam, eram tão extraordinárias que as vezes quem ouve e nunca esteve numa situação daquela não acredita. Luiz gostava de estar com garimpeiros, seja no garimpo ou na cidade, ficava sabendo de histórias que as vezes o assustava, seu contato com eles era pouco mas já lhe dava uma noção de como era desgastante tanto fisicamente como espiritualmente na vida daqueles jovens aventureiros e pais de famílias que queriam buscar riquezas ou apenas o sustento, e encontravam diversos tipos de obstáculos.

Nem tudo que os garimpeiros contam é realmente verdade, tem no meio algo inventado para dar mais charme e mais suspense a história. Mas sempre tem um que da verdade, era aparece em toda história ou tem um ponta para denunciar um fato que as autoridades desconhecem ou conhecem e não foram investigar porque tem dedo de poderoso no meio. A história que Luiz presenciou parece coisa de cinema, ou coisa de estúpido que fica brincando com um objeto que sabe que pode acabar mal, nem tudo são desgraça, na desgraça também acha a graça, disse alguém na noite que antecedeu todo o ocorrido. Luiz não sabe dizer quem foi, talvez foi um dos garimpeiro que morreu de graça no acidente, afinal aqueles que estava no restaurante tomando cachaça e jogando truco não tinha nada em haver com o sujeito que estava no avião e ordenou ao piloto que fizesse um rasante para se fazer bonito para os outros. Aquilo era se exibir só porque bamburrou e ficou gastando todo o seu dinheiro no lugar de guardar para a família. Mas o que é a vida senão uma sequência de situações prazerosas e outras perigosas? O viver é ter experiências que façam sorrir e ser feliz, seja gastando o que ganha para depois fazer tudo novamente e novamente juntar dinheiro com o suor do rosto.

Ali ainda se pensava como cristão e para alguns domingo era um dia sagrado, dia de descanso e de aproveitar para tomar umas cachaças e comer um pedaço de carne assada, isso quando tinham dinheiro o que era raridade. Quando a coisa não andava bem era certo de passar o domingo no eito, no buraco de água lavando areia ou na bateia para tirar algumas merrecas e pagar a conta nos botecos da vila. Era um domingo, dia de descanso para os garimpeiros, isto é, descanso para aqueles que tinham feito a feira e estavam bamburrados, aqueles coitados que estavam devendo até a cueca, não se davam o direito ao um descanso.

O ar da manhã ainda cheirava a fumaça, incomodava um pouco, principalmente nas baixadas. Cinzas das madeiras queimadas, e também tinha o fedor ácido de tinta e plástico queimados. Havia queimada na mata e queima de lixo pelos moradores da vila de garimpeiros, sentiu também um leve cheiro de carne assada vindo do barracão de Dona Cida onde tinha um pessoal que estava jogando truco e tomando cachaça enquanto aguardava o churrasco. Uma tímida alegria, gritos agudos de pássaros de voz insegura e um transbordar de luz impiedosa davam à manhã uma fisionomia inocente. Apesar de ainda ser de manhã e gotas de orvalho ainda permaneciam nas folhas, a floresta ardia num calor sufocante. A luz fazia brilhar o telhado de zinco do barracão, onde inocentemente ou não, jogavam alegremente entre gritos e gargalhadas aqueles homens prestes a sofrer um inacreditável acidente.

Luiz tinha saído bem cedo do seu quarto alugado, Dona Cida sempre o reservava um quarto ao lado de seu dormitório, não cobrava por isso, o amigo sempre trazia encomendas e mimos na vinda e levava doces, compotas e abraços na ida, cartas e rolos de filmes fotográficos para revelar em Alta Floresta. Tinha tirado algumas fotos de pássaros e flores silvestres com sua Canon 95 com 24 poses, era astuto, não poderia ir tirando fotos à toa, só tinha trazido desta vez um rolo de 24 poses. Já era quase dez da manhã e sentia que o estomago anunciava que era hora de voltar e comer alguma coisa antes de pegar em definitivo a estrada para casa. Tinha passado a noite ali, porque na véspera tinha chovido forte e quando isso acontece as estradas não colaboram muito. Houve uma vez que ele teimou em partir depois de uma chuva, apesar do apelo de Dona Cida para que ficasse até as águas darem uma baixada, mesmo assim partiu e aconteceu que teve que passar a noite dentro da camioneta e esperar na estrada a água do córrego Brilhante baixar, não tinha como passar, era arriscado demais. Estava pensando no suculento almoço com churrasco que Dona Cida estava preparando quando saiu da mata e a uns 500 metros vê claramente e atravessada em seu ponto de vista a pista de pouco e pouco após o barracão dando boas-vindas para quem chegasse a pequena vila de garimpeiros, destacava-se algumas casas pequenas, meia água de madeira com cobertura de cimento amianto e alguns barracos cobertos com lonas pretas.

Estava atravessando a pista para alcançar o barracão do outro lado quando ouviu o barulho intermitente do motor de um avião que provavelmente estaria se preparando para pousar. Ele apressou o passo para sair da pista foi quando percebeu que o avião não se preparava para o pouso, ao invés disso, foi em direção do barracão de voou baixo que balançou as bananeiras do lado direito da construção. O avião levantou voo novamente e retornou de novo passou próximo, nisso Luiz tirou uma foto do avião passando por cima do barracão. “Bem agora ele vai para a pista pousar, pensou, ninguém é louco para ficar gastando combustível à toa” apressou os passos para chegar logo ao barracão, afinal estava com fome e o cheiro de carne assada já era sentido de dentro da mata, não sabia se era real ou psicológico mas que estava mais forte e parecia que já estava no ponto de passar a faca e o garfo. De repente o aparelho voador e os loucos que estão no seu interior repete a façanha, agora com mais perigo. “Pronto agora está ficando sem graça, esse cara louco não vai parar” As pessoas que saíram até a frente do barracão tinham voltados para as mesas e seu jogo de baralho, e na caixa de som tocava os sucessos de Marcia Ferreira, quando mais uma vez o avião vinha em direção ao barracão. Dessa vez o piloto passou tão baixo por Luiz que ele bravejou um palavrão no momento. Desta vez viu que não era como da outra vez, o avião estava mais baixo que a anterior e percebeu que não estava certo, foi quando viu que o avião entrou com toda força no barracão e foi arrastando mesas e pessoas que encontrava pela frente. Ouviu-se gritos de desespero, o aparelho monomotor foi parar só quanto bateu no balcão de atendimento quebrando a caixa registradora e amassando o freezer com as bebidas geladas já preparadas para o almoço.

O pequeno avião bateu primeiro na placa de zinco onde aparecia escrito e já bem borrado devido as chuvas o nome “Restaurante Dulivier” muitos riam do nome e nem Dona Cida sabia explicar direito o nome. Alguns o apelidavam de diluvio, mas todos conheciam mesmo como Bar da Dona Cida. Até quando seria isso não sabiam. O avião atravessou a placa de zinco, com a força o zinco rasgou no meio dando passagem a máquina invasora. O assento do piloto bateu num dos pé direito, chegando a quebra-lo só não derrubando toda a cobertura porque era reforçada por outras toras de madeira fortalecendo o centro do salão. A batida resultou no esmagamento das pernas do piloto, que quando chegaram para retira-lo já estava sem vida. O mesmo aconteceu com o passageiro, agora identificado, era o gringo, um alemão que dias atrás tinha tirado uma quantidade suficiente de ouro para fazer uma farra. Farra essa que terminou em tragédia. Na batida ele, que estava sem o cinto de segurança, foi arremessado para frente caindo encima da mesa central do barracão e sendo atropelado pelo avião. Que destino cruel teve o gringo. Queria só fazer uma graça para os companheiros que estavam ali descansando e esperando o almoço.

Todos, ou quase todos ficaram horrorizados, salvo os que estavam já bêbados de tanta cachaça. Ainda não acabou, o horror estava por vir, no chão, ao lado esquerdo do avião, jazia o corpo de um homem, ou melhor meio corpo, a outra metade foi levada e estava caída debaixo do que restou da asa esquerda. Enquanto ouvia-se gritos e choros dos feridos e com o intuito de procurar mais feridos pelos arredores do avião, Luiz andava meio tonto para lá e para cá, foi então que lembrou de pegar a máquina fotográfica pendurada em seu pescoço e clicar para registra a desgraça, corpos caídos e meios corpos que causavam náuseas em quem tinha corrido ao barracão para ver a desgraça. Logo tinha uma trintas pessoas e estavam vindo mais. Juntaram os feridos numa canto e iniciaram a difícil tarefa de apaziguar os sofredores.

Depois de ajudar a recolher e identificar os feridos, bem como observar a complexidade dos ferimentos é que se deram conta do estrago geral que aquela brincadeira causou. Morreram o Gringo, o piloto, o Marquinhos, o Tebé, o Neguinho e o Jacó. Feridos graves: Tonhão, Nicão e o Sargento. Feridos leves que não precisariam levar ao hospital: Tino, João Melo, Zeca pagode e Tico Sá.

Ninguém pensou mais em almoço. A carne já estava quase no ponto na churrasqueira nos fundos e na caixa de som ainda tocava os sucessos da cantora Márcia Ferreira. Dona Cida foi logo passando uma mensagem via rádio amador, única forma de comunicação com a cidade, mandou logo avisar a polícia sobre o ocorrido. Era necessário levar os feridos para o hospital, a única forma seria com o outro avião que estava na pista, era do mesmo modelo, só que um pouco mais velho e um pouco enferrujado. Foram então atrás do piloto que pelas informações estava pescando num banhado ali perto, o piloto Sérgio de Sá também era convidado para o churrasco de Dona Cida. O piloto e Luiz eram amigos e sempre que podiam saiam juntos em Alta Floresta ou em outros lugares que se encontraram. Sérgio convidou Luiz para pescar, não era tão cedo, e seria apenas para distração. Luiz decidiu ficar ali na mata e tirar algumas fotos, talvez no futuro essas fotos serviriam para alguma coisa, elas vão contar a história de como isso tudo era uma mata fechada e linda. Cerca de meia hora o Sergio chegou, o rapaz que foi atrás dele de motocicleta o encontrou já retornando. Já informado sobre o ocorrido, apenas passou ali para saber quantos e quem vão com ele para o hospital. Chamaram a Lúcia Neves a enfermeira que prestava serviço na farmácia improvisada da vila. Ela trouxe alguns anestésicos, aplicou nos feridos, fez curativos nos feridos mais leves enquanto o Sérgio preparava o avião para partir. Funcionando o motor, avião colocado na pista os amigos levaram em macas improvisadas e sobre o olhar atento da Lucia e de Dona Cida, além de vários curiosos que se aglomeraram para ver as desgraças dos outros. Lucia acomodou Nicão e o sargento e depois o Tonhão nos acentos. Dona Cida gritou que seria melhor a enfermeira acompanhar os três feridos para dar suporte durante a viagem.

A viagem demoraria no máximo 1 hora, a enfermeira desceu foi até a farmácia, pegou seus documentos e alguns pertences, tudo amontoado numa pequena valise de mão.

O avião saiu como sempre fez, deu a volta a uns 500 metros, ele fazia isso sempre para pegar a direção certa. Quando estava dando a volta encima de uma pequena reserva, ouve-se um estrondo, uma explosão, tudo indicava que o motor do avião explodiu e acabou caindo na mata. Com a queda a aeronave se espatifou em vários pedaços. Não houve sobreviventes e mais uma vez Luiz e os demais tiveram que, nesse caso agora, juntar os corpos e partes de corpos que ficaram espalhados pela mata.

Luiz e mais umas 15 pessoas, todas que estavam desde o primeiro acidente ajudando, se dirigiram para a mata. Dona Cida, ficou ali, jogada no sofá, estava muito abalada e não parava de chorar e se lamentar. Aquele domingo que era para ser mais um domingo normal, como os outros, afinal não era todo domingo que teria o seu amigo Luiz almoçando com ela, por isso tinha preparado uma carne assada e na geladeira algumas cervejas que tomariam juntos e com gostosas conversas.

Luiz sabia que não restava mais nada a fazer, seu destino agora, juntamente com os outros, era buscar os corpos, ou o que restara deles. Munido de sua máquina fotográfica foram para o interior da pequena mata que resistia bravamente a derrubada de suas árvores para a construção da vila. Foi o que se imaginavam, corpos espalhadas no meio da relva. Dos quatro ocupantes apenas a enfermeira estava intacta, os outros corpos estavam muito machucados e mutilados. O piloto, amigo de longa data de Luiz, tinha sinais de queimadura, a explosão do motor o atingiu em cheio. Luiz não teve coragem de fotografar os corpos, assim como fizera no primeiro acidente, e então se afastou um pouco e tirou uma foto pegando um ângulo amplo onde aparecia as pessoas recolhendo os corpos na mata.

Depois de recolherem os corpos juntarem com os outros do primeiro acidente era hora de se recolherem e esperarem a polícia chegar com o rabecão para registrar o acontecido e assim levar os corpos para o IML.

Depois de mais de uma hora ali conversando e analisando os dois acidentes, Luiz percebeu que já era quase duas horas da tarde e ainda não tinha comido nada. A sua intenção era sair até o meio dia, logo após o almoço. Ninguém ali tinha atentado para o almoço, a fome veio e foi embora e as mentes estavam ocupadas demais com o acontecido. Quando foi despedir de Dona Cida, era lhe ofereceu um copo de leite morno para que ele aguentasse mais 5 horas de viagem até Alta Floresta. Tomou o leite e ali no aglomerado anunciou que estava indo embora e que caberia mais duas pessoas na cabine de seu carro. Com ele partiu o João Melo que desconfiava que tinha trincado o osso do braço, queria fazer um raio X. Chegando em Alta Floresta Luiz contou a história toda aos familiares que ficaram em dúvida, só acreditaram em todos os detalhes depois que mostrou as fotos uma semana depois.

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